Leia a crónica de Lúcio Meneses de Almeida, médico Assistente Graduado de Saúde Pública e presidente do Conselho Nacional de Ecologia e Promoção da Saúde da Ordem dos Médicos, acerca Do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e das perspetivas para este Novo Ano que agora iniciamos. Saiba mais na próxima edição, edição 138, do Jornal Médico.
À data em que escrevo estas linhas, encontramo-nos no limiar de um novo ano. A produção de efeitos do diploma que rege o novo estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS) inicia-se a 1 de janeiro de 2023.
O velho ano, esse, foi indelevelmente marcado por uma epidemia global que teima em arrastar-se há quase 3 anos. A nível doméstico, foi enquadrado num SNS profundamente debilitado, fruto de um desinvestimento crónico e do enfraquecimento crítico da carreira médica.
Se num passado próximo, ser médico do SNS era motivo de orgulho e de reconhecimento profissional e social, no presente configura “resiliência”. Os concursos de ingresso na formação específica e a fuga, primária e massiva, de especialistas para o setor privado são uma manifestação trágica, porque estrutural e com efeitos a longo prazo, do referido…
A quota de mercado do setor privado da Saúde continua, pois, em franco crescimento. Nunca os portugueses despenderam tanto dinheiro para ter acesso aos cuidados de saúde de que necessitam e mais de metade da população já dispõe de seguros de saúde. Trata-se da falência do SNS, em termos de resposta assistencial…
Entretanto, entrou em funções a nova Direção Executiva do SNS (DE-SNS). E, na sequência da extinção a prazo das estruturas regionais da Saúde (administrações regionais de saúde), anunciada na primeira metade do ano que agora termina, é definido um modelo organizacional primordial para a rede de serviços de saúde do SNS: as unidades locais de saúde (ULS).
Considero o modelo das ULS teoricamente ideal, já que assenta na integração sistémica entre cuidados primários e hospitalares. As ULS, enquanto entidades hospitalares, têm na rede de cuidados primários (centros de saúde afiliados) a sua “porta de entrada”.
Reconhecem-se, em síntese, as virtudes, gerais e abstratas, deste modelo organizacional: integração sistémica, hierarquização funcional dos cuidados de saúde e geração secundária de recursos. O reverso da medalha é que a sua efetividade depende, criticamente, das lideranças de topo.
É, por consequência, crucial que a escolha dos conselhos de administração das ULS seja o mais criteriosa possível. Além das competências “técnico-gestionárias”, incluindo a indispensável experiência no setor, os seus membros deverão dispor de competências políticas – que não partidárias.
Administrar uma ULS implica interagir com as autarquias, num contexto sistémico de descentralização de competências do Estado Central. E, ainda, gerir expetativas, políticas e populacionais, perante a escassez agudizada de recursos e no seio de uma revolução organizacional do SNS.
Desconhece-se como é que a DE-SNS se irá articular com a totalidade das entidades do SNS, face ao esvaziamento de atribuições e competências das moribundas ARS.
O papel regulador destes institutos públicos permitiu garantir a equidade no acesso regional-continental aos cuidados de saúde. Na sua ausência, cria-se um “vazio” organizacional e funcional num âmbito charneira de intervenção do SNS.
Em contrapartida, considera-se auspiciosa a recente nomeação do conselho de administração de uma das maiores entidades hospitalares do País (o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte), ao arrepio dos tradicionais critérios de nomeação cartonada. E, acima de tudo, saúda-se a aparente imunidade da DE-SNS relativamente a lobbies ou subgrupos setoriais da Saúde.
Importará, no entanto, não esquecer que o alargamento do modelo ULS deve considerar a diferenciação hospitalar. A eventual criação de uma ULS, tendo como entidade hospitalar “mãe” um centro hospitalar de “fim de linha” (i.e., dotado de serviço de urgência polivalente com centro de trauma), além de desorganizar o sistema pode criar sérios constrangimentos de acesso às populações que não integram a respetiva área de atração.
Portanto, tornar o modelo ULS prevalente não deve ser sinónimo da sua universalização. E a escolha destes e de outros dirigentes do SNS deve ser exclusivamente baseada na competência e na efetiva responsabilização pelos resultados obtidos.
Que 2023 nos brinde com um Mundo mais seguro, uma população mais saudável e um SNS capaz de responder às necessidades assistenciais da população portuguesa.
Feliz ano novo!
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.