[caption id="attachment_11851" align="alignnone" width="300"] Rui Cernadas - Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.[/caption]
André Gide, grande nome das Letras francesas, falecido em 1951, escrevia com muito a propósito, diria, que “o homem sensato é aquele que se surpreende com tudo”.
Pela minha parte, confesso com despudor, não posso ser um homem sensato. Já nada me surpreende…
A sustentabilidade no contexto da discussão sobre o SNS não pode ser vista como um objectivo dos sistemas e políticas de saúde, mas antes como uma condição de tipo estrutural e vital ao seu funcionamento e existência.
A modernização tecnológica na saúde, particularmente em áreas da química, farmacêutica e dos aparelhos e dispositivos médicos deverá ser entendida como uma penalização para a sociedade, um castigo civilizacional ou uma sentença ou fatalidade?
Em todo o caso o problema não se coloca, realmente, aos que podem pagar os elevados preços de acesso aos recursos tecnológicos avançados, estimulando uma introdução acelerada nesses mercados, mas sim a todos – indivíduos, grupos ou Estados – os que não têm tal capacidade.
As mudanças e as transformações na área de saúde, com uma crescente organização do sistema médico-industrial, sobretudo depois dos anos 70, transformaram progressivamente as condições nos sistemas públicos. A ideia da produção e do custo-benefício ou da efectividade cresceu a par de uma série de indicadores e de aspectos ligados à economia e à gestão modernas.
Os médicos e os profissionais de saúde transformaram-se, assim e depressa, em técnicos de aparelhos e equipamentos complexos dos hospitais, laboratórios e empresas médicas, quantas vezes em funções rotineiras, assalariados e pouco preocupados com o equilíbrio financeiro das suas instituições. Os movimentos grevistas provam-no, sublinhando a perda de respeito pelos cidadãos e pelos doentes.
A crescente mobilização dos médicos, ora centrada em torno de reivindicações corporativas, passou a integrar a questão tecnológica, na exacta medida em que esta se associe aos problemas de trabalho e da sua valorização e de formação profissional, ao controlo dos custos ou ao investimento ou falta dele no campo dos processos assistenciais.
As mudanças nas políticas de saúde na Europa, a partir da década 90, alteraram-se rapidamente visando o objectivo expresso e fundamental de conter o crescimento da despesa e de garantir a sustentabilidade dos sistemas públicos de saúde.
Na verdade, a saúde e as muitas questões que a ela se associam, partidarizaram com frequência o discurso e os meios de comunicação, criando mitos perigosos, assumidos amiúde como direitos sociais.
A essência do problema – ou do dilema – nesta área das políticas públicas, mesmo em sistemas de diferentes tipos, centra-se, assim, na redefinição do papel do Estado no financiamento, no pagamento, na regulação e na prestação de cuidados de saúde.
Ou seja, na discussão da natureza e extensão do papel do Estado e das suas funções ditas sociais. Esta corrida tecnológica promoveu a degradação dessa natureza e trouxe novas desigualdades, inclusive a noção dos chamados três mundos – desenvolvido, em desenvolvimento e subdesenvolvido.
Formulou-se então o paradigma da sustentabilidade, que emerge com uma centralidade cada vez maior – e como referência neste século XXI – que preconiza a superação real do império da economia, equilibrando a dimensão económica com o espírito de justiça social, da protecção de quem deve ser protegido e mesmo com a recuperação ambiental.
O processo de medicalização das várias dimensões da vida excedeu os limites aceitáveis do controlo da doença e a nova tecnologia evoca desconhecidos riscos na sua aplicação, com efeitos não previstos ou ainda pouco avaliados: riscos iatrogénicos e problemas éticos envolvidos na aplicação dessas novas tecnologias!
Que espaço sobra, desta forma, para as determinantes sociais do processo de saúde e doença?
Chegámos a um ponto em que os verdadeiros ganhos ao nível da gestão serão insuficientes para produzir mais impactos significativos na promoção da sustentabilidade do sistema.
As estratégias de ganho de eficiência por vias conhecidas estão quase no limite.
Faltam as medidas estruturais na caracterização da rede de serviços, na sua especialização, concentração e articulação, na coragem de assumir o que falta estudar, decidir e implementar, impor se necessário em nome da sobrevivência das pessoas e das organizações.
Chegados aqui, uma coisa é certa: a decisão não pode ser dos operadores do sistema.
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Não podemos ser indiferentes ao descontentamento dos médicos nos tempos que correm, nunca vi tantos médicos a dizerem pensar sair ou desistir do que construíram. Desde médicos de família que pensam acabar com as suas USF, por não verem vantagem em continuarem a trabalhar no sentido da melhoria contínua (e até sentirem que os desfavorece) até médicos hospitalares a querer deixar de ser diretores de serviço, sair do sistema público e/ou, até, reformar-se antecipadamente. Tudo o que foi construído parece à beira de, rapidamente, acabar.