[caption id="attachment_6762" align="alignnone" width="300"] Rui Cernadas - Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.[/caption]
Recordo-me de que antes da Revolução de Abril de 74, numa das minhas primeiras saídas do país ainda como estudante (então autorizado por escrito por meu pai...) a Londres, me senti confrontado com o estigma de ser originário de um país atrasado e por pertencer a um povo visto como analfabeto!
A história europeia confirmava-nos como uma nação de altos e baixos, de heróis e de traidores, caracterizada por fortes vontades e más decisões, grandes paixões e fracos resultados...
Divididos na Península, crescemos para os mares e aí, outra vez, depois de tudo ter e de ao mundo novos mundos dar, tudo perdemos!
Naturalmente, senti então vergonha e raiva.
Vergonha porque muito daquilo era verdade e raiva por outro tanto ser mentira!
E os anos passaram.
Já lá vão quarenta sobre a Revolução.
E trinta e cinco desde que o SNS foi criado e se tornou uma das mais claras e eficientes conquistas do regime democrático, admirado e surpreendente para muitos dos que nos observam além-fronteiras...
Mas nem o presente – e menos ainda o futuro – estão, quer seguros, quer risonhos.
Não falo da sustentabilidade que, em larga medida, se liga às grandes e necessárias opções que o país deve discutir, pensar e assumir no contexto do que serão as suas capacidades financeiras e sociais e as decisões estratégicas... Em sentido estritamente político.
Falo, isso sim, do que releva de um novo tipo de ignorância, já não no plano do analfabetismo, mas das novas oportunidades dadas ao facilitismo e à ligeireza perigosa que se geraram na sociedade portuguesa em volta de modelos organizacionais e de gestão importados...
Assistimos, hoje, à aprovação parlamentar de propostas de criação de ULS, sem a necessária planificação ou estudo prévio credíveis sobre as implicações clínicas, funcionais, estruturais ou financeiras do modelo!
Criam-se por “decisão política”!
O que significa... Decisão assustadora... Como a que conduziu ao lançamento, em Portugal, de uma rede de unidades de cuidados continuados que se afastou dos grandes centros, onde se concentram as maiores necessidades...
A ignorância de que falo é esta, que toma por bons ou boas, convicções ou suposições que estão longe de estar validadas onde quer que seja.
Das ULS a única coisa que se conhece são experiências de integração de gestão em áreas específicas, como as do aprovisionamento, aquisição e partilha de serviços, contratos e financiamento.
Mas sem qualquer ligação à organização da prestação de cuidados.
O que aconteceu em Portugal foi uma integração forçada de organizações e níveis de serviço. Sem racionalidade em alguns casos e, sobretudo, sem resultados.
Pensar numa solução para todo o país é estimularmos a tal noção de ignorância.
Desde logo porque, internamente, a figura da ULS não resolve o problema dos pretensos recursos insuficientes e não disfarça – pelo contrário, sublinha – a ausência de relacionamento e de integração de cuidados.
Mas pior do que isso, desmente a ideia de economias de escala e de sinergia de recursos, até porque apenas contribui para a perda de profissionais no sistema e para a complexidade assistencial.
Não existe qualquer evidência de melhores resultados em saúde em nenhuma experiência de integração de cuidados. Em Portugal, por exemplo, os planos locais de saúde não reflectem diferenças com significado estatístico ou clínico relativamente a outros modelos.
A ideia feudal não desapareceu antropologicamente.
O fim dos governos civis não aconteceu por exigência cultural ou civilizacional.
A noção de proximidade acentua mesmo voracidades, de géneros muito diversos.
A mal não é só nosso. Na verdade, se olharmos para o NHS britânico, do qual bebemos a matriz e nos serve a todo o momento de farol, veremos como o problema da integração também os preocupa.
Desde pelo menos 2008 que reflectem sobre os caminhos para novos modelos de gestão integrada de cuidados!
Com muitas dúvidas.
Poucas certezas!
Mas recordando que a integração, como sustenta a Organização Mundial de Saúde, deve compreender um sistema de tipo hexagonal de dimensões: clínica, funcional, normativa, organizacional, cultural e administrativa... E sublinhar a necessidade de ter razões certas e contexto local como pré-requisitos de integrações bem-sucedidas...
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Não podemos ser indiferentes ao descontentamento dos médicos nos tempos que correm, nunca vi tantos médicos a dizerem pensar sair ou desistir do que construíram. Desde médicos de família que pensam acabar com as suas USF, por não verem vantagem em continuarem a trabalhar no sentido da melhoria contínua (e até sentirem que os desfavorece) até médicos hospitalares a querer deixar de ser diretores de serviço, sair do sistema público e/ou, até, reformar-se antecipadamente. Tudo o que foi construído parece à beira de, rapidamente, acabar.