Rui Cernadas: agora que o SNS faz 35 anos
DATA
02/07/2014 11:59:01
AUTOR
Jornal Médico
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Rui Cernadas: agora que o SNS faz 35 anos

[caption id="attachment_6762" align="alignnone" width="300"]ruicernadas Rui Cernadas Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.[/caption]

Poderemos ser um povo brilhante pelos diagnósticos de situação elaborados e produzidos por sucessivas comissões ou grupos técnicos, às vezes em livros brancos, verdes e de muitas outras cores…

Poderemos ser um povo orgulhoso, justamente, por ter sabido construir, em 35 anos, um Serviço Nacional de Saúde (SNS) que nos dignifica e fez evoluir, como Estado, entre pares…

Poderemos ser até um povo que sobrevive à falta de entendimento entre partidos na procura de soluções alargadas, técnicas e estratégicas, como a da Saúde ou a da Justiça para prazos dilatados que permitam a implementação de projectos e reformas sólidas e necessárias…

Mas seremos sempre um povo humilde e conformado, crendo sempre que poderia ser pior do que é ou que amanhã será sempre pior do que hoje…

Mas na verdade, o SNS desenvolveu-se em nome da coesão social e num contexto cultural, económico, demográfico e de saúde muito diferente. E no qual, mais do que diferenças, entendemos evoluções e tendências que obrigam a atenção permanente sobre as necessidades de saúde das populações.

O SNS e os seus sucessos não se desligam do crescimento espectacular das chamadas condições de vida, como o saneamento básico, a distribuição de água potável, a melhoria generalizada das condições de habitação e de trabalho e a literacia.

Contudo, quer no plano da rede hospitalar, quer no plano dos cuidados de saúde primários, a planificação nunca foi nem eficiente, nem completa, nem coerente.

E nem falo apenas na assimetria, esmagadora, do litoral versus o interior.

Começo por recordar o logro e a falácia que levou cada autarca a exigir da administração central um médico à porta de cada cidadão, ou um juiz, ou uma ambulância ou um estádio de futebol…

E continuo a falar do risco e da demagogia de quem aceitou e aceita que pantominices como a que afirma que a ida, uma ou duas vezes por semana, de um médico e/ou um enfermeiro a um qualquer local assegura a prestação de cuidados de saúde… Ou que a ida do freguês aos mercados semanais resolve a escassez das coisas lá em casa…

Com os hospitais a mesma coisa… desde que foram nacionalizados. Tudo sem que ninguém quisesse perceber, ou explicar, que os hospitais são sorvedouros de recursos para tecnologias e competências em permanente desenvolvimento, exigentes no número de profissionais e de doentes. Sem que ninguém discutisse o sentido ou a utilidade da replicação de serviços e de valências sem número suficiente de destinatários e sem quadros profissionais suficientes ou justificáveis.

A rede hospitalar cresceu e/ou manteve-se sem critério, sem precisão, sem lógica e sem dinheiro.

E sem que o povo consiga compreender – porque ninguém lho explica – o país definha em número, podendo até 2050 perder até mais de um terço do total de cidadãos que tem hoje… Envelhece aceleradamente quer porque vivemos mais anos, quer porque nasce menos gente. Ao mesmo tempo que se acentua o crescimento da carga global de doença associada às doenças crónicas e a diminuição da doença aguda, situação assinalada como estratégica e crucial pela OMS mas que, por cá, parece ainda distante…

Na formação de profissionais qualificados, o país vai sendo delapidado. Primeiro foram os nutricionistas, depois os psicólogos, seguindo-se-lhes os enfermeiros e logo depois os médicos. Pelo meio, fomos perdendo dentistas, advogados, especialistas em relações internacionais e da comunicação social. Todos rumo ao desemprego ou com vontade de emigrar se não encontrarem trabalho por cá …

São evidentes, pese o esforço deste ministério da saúde, ainda, assimetrias colossais na distribuição dos recursos humanos mais diferenciados, com algumas especialidades surgindo como verdadeiras raridades fora de Lisboa ou noutro grande centro.

Os números não mentem e há hoje mais médicos no SNS do que havia há cinco anos atrás. Ao nível do planeamento dos recursos humanos, as falhas foram óbvias.

O SNS celebra os 35 anos em 2014.

Como na vida das pessoas, com alguns insucessos e uma ou outra tristeza, mas com tantas razões para festejar!

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SNS: para quando uma mudança win-win?
Editorial | Inês Rosendo, Direção da APMGF
SNS: para quando uma mudança win-win?

Não podemos ser indiferentes ao descontentamento dos médicos nos tempos que correm, nunca vi tantos médicos a dizerem pensar sair ou desistir do que construíram. Desde médicos de família que pensam acabar com as suas USF, por não verem vantagem em continuarem a trabalhar no sentido da melhoria contínua (e até sentirem que os desfavorece) até médicos hospitalares a querer deixar de ser diretores de serviço, sair do sistema público e/ou, até, reformar-se antecipadamente. Tudo o que foi construído parece à beira de, rapidamente, acabar.

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