[caption id="attachment_6762" align="alignnone" width="300"] Rui Cernadas Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.[/caption]
Acumulam-se processos e reclamações contra médicos.
As queixas derivam em boa parte do clima de desconfiança que coloca os prestadores de cuidados em causa e que apenas representam o distanciamento interpessoal e um certo tipo de autismo entre as partes.
Li há dias “O Erro em Medicina” (edição Almedina) do nosso Colega José Fragata (em co-autoria com Luís Martins), o qual se aconselha como contraponto ao stress diário da pressão assistencial e clínica.
Convém até fazê-lo com atenção no sentido em que a sua leitura permitirá melhorar a nossa conduta e salvaguardar a responsabilidade médica.
Acredito que sobretudo para os médicos mais jovens possa ter efeitos seguros e preventivos.
As faculdades ligadas às ciências da saúde precisam de acentuar, nos programas pré-graduados, a importância das disciplinas ligadas à comunicação, com o doente e os seus cuidadores, e também à humanização no sentido mais ético e relacional.
Não basta, longe disso, que as escolas médicas treinem para tratar ou saber tratar. É preciso que orientem o seu foco, não na doença, mas no indivíduo: na pessoa doente. Mas não sejamos ingénuos: há limites para as exigências às escolas e como escreveu o conhecido fisiologista Paolo Mantegazza (1831-1910), “a escola pode aperfeiçoar o artista, criá-lo, nunca; porque não se melhora senão o que já existe”. A Medicina, apesar dos avanços fabulosos do último século, por muito que saiba curar, tem de saber consolar e dar esperança. Isso é – a par da simpatia, da cortesia e da empatia – o que distingue verdadeiramente os profissionais entre “bons” e “maus”, coisa que nenhuma tecnologia poderá ajudar a superar ou a disfarçar…
E é aqui ou foi por aqui que vos falei de José Fragata, o cirurgião cardiotorácico que se tem dedicado a estudar e a escrever sobre os problemas do erro médico e da responsabilidade médica. Diz ele que a grande maioria dos erros clínicos ocorre entre os profissionais que não cuidam e não por razões de ignorância ou desconhecimento!
O que adquire maior significado se tivermos em conta o impacto social que as assimetrias entre pessoas vão criando e as ameaças que os novos desafios éticos nos colocam diariamente.
Conhece-se a tradicional dificuldade dos médicos em prolongar a relação médico-doente até ao momento da morte. Como que se antecipassem um sinal, o momento da perda de um combate, pela vida, a partir do qual se desvaloriza a última e derradeira fase. Na verdade, são relativamente frequentes as queixas das famílias disso mesmo; de uma certa falta de presença médica nos momentos que antecedem a morte do ente querido.
Claro que aprender doenças é um processo eminentemente cognitivo e do saber, muitas vezes, principalmente, do saber feito de experiência, quantas vezes brilhante no diagnóstico mais raro e preciso ou na identificação da síndrome ou da patologia mais improvável!
A outra face do que falo é um processo radicalmente diferente, humano e de sensibilidade ou emoção, se quiserem. Humano e de humanização, para muitos imediato, automático e fácil; para outros obrigatoriamente para cultivar, estimular e treinar.
Todos os que trabalhamos em áreas assistenciais conhecemos como muitos doentes reagem especialmente à palavra, ao gesto, ao sorriso, à lembrança, ao nome, à capacidade de serem escutados, ao cumprimento, ao carinho, ao compromisso, diria, quase cúmplice…
O sucesso clínico, todo ele, principia na tranquilização do doente e na perspectiva da esperança consciente.
A pessoa doente está antes da doença…
Mas como disse o Professor Machado Caetano no Porto, na sua intervenção nas “V Jornadas de Humanização” realizadas no Hospital de São João, “é mais importante saber que doente tem a doença, que saber a doença que o doente tem”!
Não se trata, longe disso, de uma lição ou de uma recomendação nova, pois já muito antes o mesmo Mantegazza, que já evoquei antes, dizia a mesma coisa de modo bem simples: “entre dois, entre três, entre muitos médicos bons, escolhei sempre o que tiver mais coração”.
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Não podemos ser indiferentes ao descontentamento dos médicos nos tempos que correm, nunca vi tantos médicos a dizerem pensar sair ou desistir do que construíram. Desde médicos de família que pensam acabar com as suas USF, por não verem vantagem em continuarem a trabalhar no sentido da melhoria contínua (e até sentirem que os desfavorece) até médicos hospitalares a querer deixar de ser diretores de serviço, sair do sistema público e/ou, até, reformar-se antecipadamente. Tudo o que foi construído parece à beira de, rapidamente, acabar.