É urgente desburocratizar os Cuidados de Saúde Primários
DATA
30/01/2023 17:03:08
AUTOR
Jornal Médico
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É urgente desburocratizar os Cuidados de Saúde Primários

Neste momento os CSP encontram-se sobrecarregados de processos burocráticos inúteis, duplicados, desnecessários, que comprometem a relação médico-doente e que retiram tempo para a atividade assistencial.

A certificação é um gesto inerente de ser médico, contudo é fundamental definir o que é obrigatório certificar no SNS e nos CSP e o que pode ser transferido para outras entidades de forma a racionalizar processos.

É fundamental retirar da alçada do MF as certificações que possam gerar conflito na relação médico-doente, criando estruturas próprias para o efeito, dentro do SNS ou em parcerias com os privados.

Os processos deverão ser simplificados e agilizados, reduzindo redundâncias e deve ser definido claramente dentro do sistema de saúde a quem compete determinada tarefa, tendo a preocupação de retirar dos MF tarefas que não são da sua competência. 

Depois de ser claramente definido que tarefas/ processos pertencem ao SNS e a que grupo profissional ou especialidade médica é responsável por estas, devem ser criados “Centros de Certificação”, em que o MF assumiria o papel de fornecer informação quando requerida, sendo que, se os profissionais dos Centros de Certificação tiverem acesso ao processo informático do Utente tal não seria necessário. Exemplos de medidas concretas:

Certificados de Incapacidade temporária: “Sick-leave” – Até 3 dias o trabalhador poderá justificar as faltas ao trabalho por motivo de doença sem necessidade de CIT por parte do Médico (compromisso de honra do utente); Possibilidade de emissão de CIT no SU hospitalar; Possibilidade de CIT inicial superior a 12 dias, em situações em que se estima uma ausência ao trabalho mais prolongada; Possibilidade de CIT superior a 30 dias, em situações específicas em que se sabe que existe um elevado tempo de recuperação; Se necessidade de renovação de CIT por mais de 60 dias, a responsabilidade de prorrogação passa para a junta Médica da Segurança Social.

Atestados para carta de condução: sendo um motivo frequente de consulta e um risco potencial de degradação da relação médico-doente e fonte de conflitos, devem sair da alçada dos MF e ser realizados exclusivamente nos Centros de Certificação.

Atestados para Creches/ Infantários/ Escolas: deverá existir um diálogo produtivo entre os Ministérios da Saúde, Educação e Segurança Social de forma a evitar o pedido excessivo e abusivo de atestados, sem fundamento legal e completamente inúteis. Reforço do Artigo 16º da Lei nº51/2012 de 5 de setembro.

Atestados vários: caçador, porte de arma, marinheiro: se forem considerados responsabilidade do SNS devem ficar a cargo dos Centros de Certificação de forma exclusiva.

Meios Complementares de Diagnóstico: deve ser feito o registo direto do resultado dos MCDTs no Sclínico, sem sinal de alerta para o médico, devendo os exames ser avaliados em consulta juntamente com o utente. Os Cuidados de Saúde Secundários devem poder pedir exames para o exterior, de forma a evitar contatos desnecessários dos utentes com os CSP a pedirem a transcrição de exames.

Sistema informático: sistema único acessível em todos os níveis de cuidados, optimizado de forma a evitar múltiplos cliques e a duplicação de informação. Criação de ferramentas ágeis de gestão de lista e de informação.

Gestão dos Atendimentos / Consultas: Recordatório automático de consulta por Email ou SMS; Sistema de atendimento automático de chamadas; Generalização do Quiosque de atendimento e respetiva manutenção.

Consultas nos Cuidados de Saúde Secundários: referenciação Interna nos Hospitais (reforço do Decreto-lei existente), nomeadamente quando o Triador Hospitalar considerar que a referenciação do MF não é para a sua área. Criar mecanismos que evitem o encaminhamento dos utentes por parte dos médicos dos Cuidados de Saúde Secundários para os MF de forma a pedirem referenciação de volta para consulta nos Cuidados de Saúde Secundários.

Esta desburocratização dos CSP iria permitir aos MF manter o seu papel clínico, reforçando a continuidade de cuidados e aumentando a acessibilidade dos utentes à consulta, em contexto de doença aguda, vigilância de doença crónica, realização de rastreios e manutenção da saúde.

O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde
Editorial | Joana Torres
O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde

A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.