Cristina Ribeiro: GEsCAd ambiciona colocar os comportamentos aditivos no léxico quotidiano dos médicos de família
DATA
04/01/2023 09:21:20
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Jornal Médico
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Cristina Ribeiro: GEsCAd ambiciona colocar os comportamentos aditivos no léxico quotidiano dos médicos de família

O Grupo de Estudos de Comportamentos Aditivos (GEsCAd) da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) tem dado um contributo para a melhoria dos cuidados prestados pelos profissionais de saúde. Integrar o tema comportamentos aditivos no léxico quotidiano da especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF) é uma ambição do GEsCAd, segundo a coordenadora, Cristina Ribeiro, que também preside a Associação Portuguesa de Medicina de Adição (APMA), um pilar fundamental na missão da Medicina da Adição. Saiba mais na edição 137 do Jornal Médico. 

Jornal Médico (JM) | O Grupo de Estudos de Comportamentos Aditivos (GEsCAd) da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) surgiu da necessidade de melhorar a prestação de cuidados de saúde a doentes com comportamentos aditivos ao nível dos cuidados de saúde primários (CSP). Poderia fazer uma breve apresentação deste Grupo?

Cristina Ribeiro (CR) | A adição é uma doença complexa, manifestada pelo uso compulsivo de uma substância, apesar do conhecimento das suas consequências nefastas. Os comportamentos aditivos, nomeadamente os problemas ligados ao álcool, dependência de drogas de abuso ilícitas, dependência de fármacos, dependência química de nicotina, transtorno do jogo, entre outros, continuam presentes na sociedade, de tal forma que a correta abordagem e orientação se revela crucial. Pela sua crescente prevalência e importância nas diferentes esferas da saúde individual e da comunidade, considera-se fundamental o investimento na formação dirigida aos médicos de família nesta área, por forma a criar ferramentas práticas na abordagem, tratamento e acompanhamento destes doentes e suas famílias. 

O GEsCAd é constituído por médicos especialistas e internos em formação específica em Medicina Geral e Familiar (MGF), com particular interesse na área dos comportamentos aditivos. O grupo foi fundado por mim, em conjunto com a Dr.ª Raquel F. Castro e a Dr.ª Vânia de Oliveira. Pelo interesse genuíno em aumentar a capacidade de trabalho do grupo, logo no início da sua constituição, foi feito o convite de participação à Dr.ª Mónica Ruivo Rosa e ao Dr. Telmo Medeiros Guerreiro, que completaram o grupo inicial de membros.

JM | De que forma o GEsCAd atinge o objetivo de sensibilizar os médicos de família para a problemática dos comportamentos aditivos?

CR | Capacitando os especialistas em MGF para uma correta abordagem inicial e acompanhamento dos doentes e suas famílias. Também incentiva estes profissionais à participação em formação contínua e em investigação na área. Pretende também fomentar e manter padrões elevados no âmbito da formação na abordagem dos comportamentos aditivos, promovendo deste modo o aperfeiçoamento da prática clínica da MGF nesta área. Paralelamente, e em consonância com este objetivo, o GEsCAd tem tido um papel ativo do ponto de vista científico, dinamizando investigação aplicada no contexto das suas áreas de interesse. O Grupo encontra-se, neste momento, a realizar o estudo “Necessidades formativas e barreiras sentidas pelos médicos e internos de Medicina Geral e Familiar relativas aos Comportamentos Aditivos: um estudo observacional”, que pretende avaliar as principais necessidades formativas e barreiras dos jovens médicos perante doentes com comportamentos aditivos.

JM | O GEsCAd promove o contacto entre os médicos de MGF e os médicos de outras especialidades?

CR | O GEsCAd tem servido de plataforma de contacto e partilha de ideias entre os profissionais com interesse na área dos comportamentos aditivos, incrementando e disseminando conhecimentos e investigação nesta área. Para além de fazê-lo junto de colegas de MGF, o GEsCAd tem integrado contributos, nomeadamente no contexto formativo, por parte de profissionais de saúde de áreas como a Psiquiatria, Psicologia, Pneumologia, Cardiologia, Gastroenterologia ou Medicina do Trabalho.

JM | A produção de informação científica é outro objetivo do Grupo? 

CR | Exato. Outro foco do GEsCAd prende-se com a elaboração e reestruturação de documentos científicos, instrumentos e material de apoio com base nas recomendações nacionais e internacionais, com aplicabilidade prática na atividade clínica de MGF. 

Pretendemos também otimizar a articulação com as escolas médicas, nomeadamente à semelhança do que tem sido feito relativamente ao ensino pré-graduado na disciplina de MGF e na disciplina Optativa da qual sou regente “Alcoologia e Consequências do Consumo Nocivo de Álcool na Comunidade” da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

JM | Há também espaço para reuniões de cariz técnico e científico no âmbito da área?

CR | O GEsCAd participou na reunião “Um Novo Futuro para a Medicina Geral e Familiar em Portugal”, que se revelou extremamente proveitosa. Foram debatidos temas importantíssimos, tais como atividades de baixo valor em saúde em MGF, organização das unidades de cuidados de saúde primários, gestão dos recursos humanos, valorização pelo desempenho, condições necessárias para o desempenho de MGF. 

Foi possível integrar a “Feira APMGF” realizada no 38.º e 39.º Encontro Nacional da APM, onde estavam representados os diferentes Grupos de Estudos e Delegações que integram a APMGF. Foi possível fazer uma troca de contactos e de experiências com elementos de outros grupos, bem como divulgar o GEsCAd aos diferentes participantes, que se revelaram muito interessados na emergência deste Grupo.

O GEsCAd participa assiduamente nos eventos científicos organizados pela APMGF, dos quais se destacam os mais recentes: 38º Encontro de MGF da APMGF, com o workshop “Abordagem ao consumo de álcool nos Cuidados de Saúde Primários”, no qual participaram, além de mim, o Professor Doutor Frederico Rosário, a Dr.ª Raquel F. Castro e a Dr.ª Vânia de Oliveira. Este workshop foi aquele que reuniu maior número de participantes, o que revela o interesse no tema por parte dos sócios. Foi possível fazer uma breve abordagem ao consumo de álcool em CSP, de forma condensada face à limitação de tempo necessariamente existente neste contexto de workshop. 

O GEsCAd teve a oportunidade de participar nas Escolas da APMGF, como na de Outono de Medicina Geral e Familiar da APMGF, através da realização do curso “Abordagem ao consumo de álcool nos Cuidados de Saúde Primários”. Neste formato, foi possível discutir com maior detalhe a problemática e aplicar estratégias teórico-práticas, com discussão de casos clínicos e perguntas diretas dirigidas aos participantes.

JM | Poderia especificar as atividades em que o Grupo teve maior envolvimento no último ano?

CR | No último ano, o GEsCAd debruçou-se no tema das “Novas Dependências”, após votação dos sócios da APMGF como um dos temas mais votados para fazer parte das mesas do 39.º Encontro Nacional de MGF da APMGF. Esta mesa abordou vários comportamentos aditivos sem substância, tais como o uso de tecnologias/uso problemático da Internet (UPI); Internet Game Disorder (Gaming), jogo patológico (Gambling), entre outros. Teve como objetivo traçar a intervenção a ser realizada pelos médicos de família, desde a abordagem inicial, instrumentos de rastreio, intervenção breve e rede de referenciação/articulação. Apresentou também estratégias para evitar estes comportamentos, a promoção de fatores de proteção, assim como a diminuição dos fatores de risco associados. Foram apresentados casos clínicos, no sentido de estimular a atenção da audiência e permitindo a cada orador explorar estes casos ao longo da sua apresentação, de forma a manter uma linha condutora ao longo de toda a sessão, sem perder a sua componente prática e respondendo, assim, às questões essenciais no contexto da MGF. A mesa teve a participação de preletores da área da saúde mental e comportamentos aditivos, assim como dos CSP, contribuindo para o desenvolvimento de abordagens de qualidade e inovadoras, relacionadas com os comportamentos aditivos sem substância.

JM | Quais as perspetivas de futuro para o GEsCAd? 

CR | Encontra-se, neste momento, em fase de expansão, sendo crescente o número de solicitações para integração do Grupo, aspeto este que deixa os membros fundadores extremamente gratificados. O GEsCAd mantém a grande ambição quanto aos seus objetivos, tendo como lema a integração do tema comportamentos aditivos no léxico quotidiano da especialidade de MGF.

Associação Portuguesa de Medicina da Adição, um pilar fundamental

JM | Para além de coordenar o GEsCAd, preside à Associação Portuguesa de Medicina de Adição (APMA), um pilar fundamental para a missão da Medicina da Adição. O que dizer da atuação desta organização? 

CR | A direção da APMA desenvolve, com um conjunto de colegas de várias áreas médicas, nas quais se inclui a Medicina Geral e Familiar, a Medicina do Trabalho, a Gastrenterologia, a Saúde Mental e a Psiquiatria, numa perspetiva que se pretende integrada de cuidados e centrada na pessoa com problemas aditivos, tal como já tinha sido feito por outros digníssimos colegas no passado, destacando um trabalho fundamental, dedicado ao desenvolvimento de uma prática médica na área dos comportamentos aditivos que seja transversal a todas as especialidades médicas, garantindo a interação entre a academia e a prática profissional médica.

A APMA reforça, assim, a importância da formação médica, em Portugal, na área dos comportamentos aditivos; pretende um maior reconhecimento dos médicos com competência nos comportamentos aditivos, bem como um reconhecimento da educação e formação médica contínua nesta área como pilares da qualidade dos serviços de saúde. Pretende também estabelecer parcerias com outras associações e sociedades científicas de forma a majorar o processo de disseminação de uma prática médica que valorize a abordagem da medicina de adição em Portugal.

JM | Como impactou nesta atuação o aparecimento da pandemia por COVID-19? 

CR | De facto, estes últimos anos apresentaram-se como um desafio, decorrente da situação atípica e crítica provocada pela pandemia por COVID-19, exigindo o cumprimento de medidas de contingência e o compromisso e envolvimento de todos, em sinergia com as entidades oficiais, no sentido de garantir toda atividade em prol de uma prática médica de qualidade e segurança centrada na pessoa com problemas e comportamentos aditivos. 

JM | Que aspetos destaca na área da formação dos profissionais?

CR | No eixo da formação médica, privilegiamos formação na área dos problemas ligados ao álcool (PLA), que destinamos a médicos especialistas de Medicina do Trabalho em articulação a Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho (SPMT) e na área dos CSP, em articulação com a APMGF. Por exemplo, foi organizado o curso “Problemas Ligados ao Álcool em contexto laboral”, em parceria com a SPMT e em articulação com a MGF. Este curso foi também dirigido a médicos de Angola, em parceria com a Ordem dos Médicos de Angola.

JM | Por que motivo é dado destaque à área do alcoolismo?

CR | Os PLA evidenciam um preocupante consumo global a nível mundial. A identificação do consumidor excessivo em etapas precoces diminui o risco de complicações ligadas à saúde, possibilitando que as alterações comportamentais necessárias na abordagem e no tratamento sejam mais facilmente alcançadas e/ou mantidas. Deste modo, torna-se importante o aumento de competências dos internos e profissionais médicos no que se refere à abordagem dos PLA. Têm sido pilares do trabalho formativo desenvolvido pela APMA alcançar objetivos como sensibilizar para os problemas relacionados com o consumo excessivo de álcool; conhecer os vários padrões de consumo de bebidas alcoólicas; divulgar novas metodologias de abordagem a esta adição; capacitar os profissionais de saúde para o diagnóstico e tratamento do consumo excessivo de álcool.

JM | Que outras ações da APMA gostaria de evidenciar?

CR | Está a ser feito um levantamento das necessidades formativas na área dos comportamentos aditivos sentidas pelos médicos especialistas e internos de formação específica em Medicina adaptando a sua atividade a estas necessidades. A Associação também participa ativamente na formação entre pares, nomeadamente em eventos promovidos por outras sociedades médicas e que são definidos de acordo com o levantamento das necessidades formativas.

JM | E estas ações estendem-se ao plano internacional?

CR | A participação em eventos científicos e relações internacionais tem sido privilegiada pela APMA, por exemplo, no âmbito da EUFAS - European Federation of Adicttion Societies, dado que a APMA integra a direção desta Federação.

A Associação está envolvida na organização de mesas na área dos comportamentos aditivos, nomeadamente dos PLA, da ADDICTIONS 2022, que decorreu em novembro de 2022, em Portugal.

O trabalho que desenvolvemos não seria possível sem a colaboração de todos os elementos dos corpos sociais, da excelente equipa de colaboradores da APMA e de outras entidades com as quais interagimos, que nos tem ajudado a responder adequada e eficazmente a todos os desafios pelo empenho na persecução de todos estes objetivos.



O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde
Editorial | Joana Torres
O (Des)alento da Medicina Geral e Familiar no Serviço Nacional de Saúde

A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.