Susana Sousa, pneumologista na CUF Descobertas e na CUF Tejo, conversou com o Jornal Médico a propósito dos distúrbios do sono e da aplicação da actigrafia, enquanto exame de simples execução que tem vindo a assumir um papel de destaque como meio complementar de diagnóstico na rotina de um laboratório de sono. A interpretação e análise dos seus resultados exige profissionais de saúde especializados.
Jornal Médico (JM) | Os distúrbios do sono são queixas recorrentes entre a população. Na sua opinião, qual a abordagem a tomar à questão do sono, no contexto da prática clínica diária. E quais os distúrbios mais comuns?
Susana Sousa (SS) | A insónia e a Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) são os distúrbios do sono mais frequentes na prática clínica e podem ter inúmeras causas. Podemos considerar que existem fatores predisponentes para o aparecimento da insónia, como fatores genéticos, fatores precipitantes para o seu aparecimento, como um evento marcante de vida e fatores perpetuadores, como alguns comportamentos adotados ao longo da vida que contribuem para a dificuldade em iniciar, manter ou acordar cedo demais com sensação de má qualidade de sono. Quanto à SAOS consideram-se como principais fatores de risco a obesidade, o tabagismo, o consumo de bebidas alcoólicas e alterações anatómicas crânio-faciais que podem aumentar a probabilidade de aparecimento da doença.
O médico de Medicina Geral e Familiar está numa posição privilegiada para a identificação e referenciação dos distúrbios do sono uma vez que conhece o doente, a história familiar, os fatores de risco e as comorbilidades que permitem aumentar o grau de suspeição destas patologias. Por outro lado, a abordagem sobre o sono deve ser uma prática clínica diária a cada consulta de rotina, como se fosse a avaliação de um sinal vital como a avaliação da pressão arterial.
JM | No que concerne ao seu diagnóstico, quais as principais técnicas utilizadas?
SS | Como em qualquer patologia, o diagnóstico tem início numa história clínica detalhada e exame objetivo que vão orientar a marcha diagnóstica e a seleção criteriosa dos métodos complementares de diagnóstico. Os exames complementares podem incluir uma avaliação laboratorial, exames de imagem, como tomografia computorizada das vias aéreas superiores (sobretudo útil no estudo da roncopatia e da SAOS), actigrafia ou um estudo polissonográfico, que pode ser realizado em laboratório de sono ou em ambulatório e, de acordo com o número de sensores utilizados e variáveis analisadas, pode ser de diferentes níveis de complexidade.
JM | Em que consiste a actigrafia e de que forma são interpretados os seus resultados?
SS | A actigrafia é um método simples e prático de monitorizar o movimento através de um acelerómetro que nos permite a identificação de atividade compatível com vigília e diminuição da atividade compatível com repouso. É um método complementar ao diário de sono preenchido pelo doente e como permite uma monitorização durante um período mais prolongado (geralmente 2 semanas) dá-nos informação sobre a variação ao longo de vários dias. Salienta-se que não avalia o sono, mas o ciclo de atividade e repouso, permitindo estimar o sono-vigília.
JM | Qualquer doente pode ser referenciado para actigrafia?
SS | A actigrafia é um exame que pode ser útil na investigação das perturbações do ritmo circadiano, na síndrome do sono insuficiente ou na insónia, por exemplo. Outras indicações são a avaliação complementar ao teste de latências múltiplas do sono (recomenda-se a sua utilização nas semanas prévias ao teste) e no estudo das hipersónias, de forma a estimar o período de sono ao longo das 24 horas.
JM | Que comorbilidades estão frequentemente associadas aos distúrbios respiratórios do sono?
SS | As principais doenças associadas aos distúrbios respiratórios do sono, sobretudo a SAOS, são a obesidade, as doenças cardiovasculares – como hipertensão arterial, cardiopatia isquémica, fibrilação auricular –, metabólicas – como a diabetes – e cerebrovasculares. É fundamental a investigação sobre SAOS nestes grupos de risco uma vez que a identificação e tratamento da SAOS melhora o prognóstico das doenças associadas.
JM | Em que consiste o TecniSono e de que forma pode, entre especialistas, auxiliar num melhor seguimento dos distúrbios respiratórios do sono?
SS | O TecniSono® é um fórum de partilha, inovação e boas práticas, promovido no âmbito da Academia Linde Saúde e dinamizado por e para técnicos de cardiopneumologia e neurofisiologia, que se dedicam ao estudo e diagnóstico dos distúrbios do sono. O tratamento dos distúrbios do sono começa com um diagnóstico eficaz e idealmente precoce. A transformação, desenvolvimento e melhoria contínua incentivadas neste fórum são motores para a otimização do diagnóstico de sono em Portugal e desta forma para a melhoria do seguimento da pessoa com distúrbio(s) do sono.
JM | O que considera que ainda pode ser feito ao nível do diagnóstico e terapêutica, em Portugal?
SS | É fundamental aumentar o awareness relativamente às patologias do sono, sobretudo em grupos de risco – doentes com patologia cardiometabólica – de forma a conseguir um diagnóstico precoce e o tratamento atempado. Para além disso o acesso aos principais métodos de diagnóstico em patologia de sono é difícil, consequência de uma elevada prevalência destas patologias, que justifica períodos de espera longos após a referenciação hospitalar. Por último, relativamente à SAOS, é obrigatório a existência de programas de luta contra o principal fator de risco: a obesidade, no sentido de se conseguir uma estratégia de prevenção da doença.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.