Representante do Grupo de Estudos de Diabetologia da APMGF, Manuel Rodrigues Pereira considera que as autoridades de saúde devem reconsiderar a limitação da comparticipação dos agonistas do recetor do GLP-1 a determinados grupos de doentes, segundo o critério do índice de massa corporal. Em declarações ao Jornal Médico, o especialista de Medicina Geral e Familiar reitera o acesso à comparticipação a todos os doentes que beneficiem desta terapêutica, perante a forte evidência científica e recomendações internacionais. Sobretudo, tendo em conta as repercussões ao nível da saúde cardiovascular.
O Grupo de Estudos de Diabetologia da APMGF é umas entidades subscritoras da posição acerca da limitação da comparticipação dos medicamentos para o tratamento da diabetes, tomada em conjunto com a Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, a Sociedade Portuguesa de Diabetologia e o Núcleo de Estudos da Diabetes Mellitus da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.
Jornal Médico (JM) | Qual a limitação prevista na comparticipação? E se a sua implementação já está a ter repercussões?
Manuel Rodrigues Pereira (MRP) | Estamos a falar de medicamentos com indicação no tratamento de adultos com diabetes mellitus tipo 2 independentemente do índice de massa corporal das pessoas. Ainda assim, no que diz respeito à avaliação para comparticipação, em Portugal esta apenas tem focado as pessoas que além da diabetes mellitus tipo 2, tenham um Índice de massa corporal igual ou superior 35Kg/m2. Do ponto de vista clínico e à luz da generalidade das recomendações nacionais e internacionais, o valor concreto do índice de massa corporal não é algo crítico, havendo outros aspetos a ter em conta, nomeadamente a presença de Doença Aterosclerótica estabelecida. Não lhe sabemos referir se as recentes alterações nos sistemas informáticos de prescrição já estão ou não a ter repercussões significativas, mas o potencial para tal existe.
JM | Qual a percentagem de doentes, e em que contextos de doença e morbilidades, podem ser os mais prejudicados por esta limitação?
MRP | Não lhe conseguimos de momento avançar uma percentagem de doentes em concreto. Quanto a quem poderão ser os mais prejudicados, estes serão certamente pessoas que além de diabetes mellitus tipo 2, têm doença aterosclerótica estabelecida, até podem ter obesidade, mas não têm um índice de massa corporal igual ou superior 35Kg/m2.
JM | Qual a posição formal do GE Diabetologia?
MRP | O Grupo de Estudos em Diabetologia da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar subscreve o Comunicado emitido em conjunto com a Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, a Sociedade Portuguesa de Diabetologia e o Núcleo de Estudos da Diabetes Mellitus da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna. Estamos totalmente unidos e apelamos ao Governo que reconsidere a implementação da limitação da comparticipação dos agonistas do recetor do GLP-1 apenas a pessoas com índice de massa corporal igual ou superior a 35 Kg/m2. Consideramos que o acesso à comparticipação desta classe de medicamentos deve ser alargado a todos os doentes com diabetes mellitus tipo 2 que deles beneficiem, pela sua eficácia no tratamento, pela melhoria do peso e pela redução dos eventos cardiovasculares.
JM | É possível demonstrar que os cortes na comparticipação vão ter custos a longo prazo com o agravamento de estados de saúde destes doentes. A evidência demonstra os benefícios clínicos dos agonistas do recetor do GLP-1, quais as vantagens a longo prazo para o próximo SNS?
MRP | Focando o longo prazo, devemos lembrar que a doença cardiovascular é um dos grandes problemas para as pessoas com diabetes mellitus tipo 2, sendo que vários dos medicamentos nesta classe terapêutica têm bons dados em termos de redução de eventos cardiovasculares. Sabemos também que os custos para a sociedade no acompanhamento e tratamento de uma pessoa que já sofreu um evento cardiovascular major são muito superiores aos de uma pessoa que felizmente não o teve. Com isto sublinhamos que, também em termos económicos, é muito positivo conseguir por exemplo prevenir um enfarte agudo do miocárdio.
JM | Havendo estas limitações, até que ponto tal pode limitar ou constranger a prescrição médica no ambiente de consulta, sabendo o clínico de antemão que o doente não tem capacidade financeira de cobrir o custo total dos medicamentos?
MRP | Em Portugal a larga maioria das pessoas habitualmente não têm sequer noção do custo total de um medicamento. Estes são habitualmente em boa parte pagos pelo Estado. Na larguíssima maioria dos casos em que não haja comparticipação do medicamento, este pura e simplesmente não será utilizado. O médico até pode abordar a sua potencial utilização, mas a generalidade das pessoas não está disponível para pagar o valor total de um medicamento.
JM | Que outras opções têm os clínicos?
MRP | No tratamento medicamentoso da diabetes mellitus tipo 2 há várias classes terapêuticas passíveis de utilizar. De qualquer das formas, uma boa parte das pessoas precisa de mais do que uma classe terapêutica para conseguir otimizar o controlo metabólico da diabetes mellitus e prevenir complicações, sendo que vários agonistas do recetor do GLP-1 são uma excelente opção.
JM | Além desde comunicado em conjunto, que outras medidas estão a pensar concertar?
MRP | As quatro entidades que subscreveram este Comunicado estão unidas. Iremos certamente manter-nos ativos para conseguir encontrar uma solução.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.