Gabriela Plácido, farmacêutica comunitária e docente na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, aborda a importância da referenciação ao médico, por parte do farmacêutico, em caso de suspeita de psoríase.
JORNAL MÉDICO (JM) | Qual o papel do farmacêutico no esclarecimento de dúvidas e encaminhamento para o médico da especialidade?
GABRIELA PLÁCIDO (GP) | Por se tratar de uma doença sistémica, com grande potencial para desenvolvimento de complicações e não apenas uma doença dermatológica, a suspeita de psoríase exige sempre uma referenciação ao médico, ainda que, no momento da intervenção farmacêutica, se possa recomendar temporariamente medidas de alívio sintomático preferencialmente não farmacológico.
À exceção das situações mais graves, felizmente pouco frequentes, cuja referenciação deve ser feita ao médico dermatologista, no geral, a referenciação da pessoa com suspeita de doença deve ser feita para o médico de família.
Para a tomada de decisão, deve fazer-se uma adequada avaliação da situação, o que tem por base o conhecimento da história clínica familiar e pessoal do individuo e as manifestações clínicas da psoríase, e os critérios de referenciação.
No que concerne ao aconselhamento, a primeira medida a tomar é sempre tranquilizar, o melhor possível a pessoa. O farmacêutico pode intervir em diferentes contextos:
- Incentivo e promoção da adesão à terapêutica, como ferramenta indiscutível do controlo da doença;
- Reforço para a adoção de medidas que previnam agudizações e aparecimento de complicações da doença (ex. monitorização de parâmetros fisiológicos, aumento de peso, tabagismo, manutenção dos cuidados diários recomendados para a pele);
- Identificação precoce de sinais de comorbilidades (ex. artrite psoriática, depressão, hipertensão arterial, quadros regulares de hiperglicemia);
- Referenciar ao médico, sempre que há aparente descompensação da doença para revisão da terapêutica instituída, ou sempre que há sinais de complicações.
JM | É comum as pessoas irem à farmácia pedir aconselhamento sobre lesões na pele, nomeadamente em casos de psoríase?
GP | É bastante comum haver solicitações de intervenção farmacêutica em afeções dermatológicas, sobretudo quando surge alguma lesão na pele que se desconhece, que incomoda ou que possa comprometer a aparência da pessoa.
Por outro lado, é frequente o pedido de orientação farmacêutica, mesmo em situações em que já há diagnóstico prévio de patologia e tratamento instituído, mas em que se verifica agudização ou crise sintomática, para o controlo da qual o utente não sabe o que fazer e precisa de medidas de alívio sintomático.
Os primeiros sinais cutâneos de psoríase vulgar podem ser confundidos com outras dermatites, pois, no geral, ambas apresentam uma componente inflamatória que, caracteristicamente, se manifesta por lesões eritematosas de diferentes tamanhos, e desconforto local, mais ou menos acentuado, que se podem localizar em zonas visíveis do corpo.
Estas manifestações causam, em geral, preocupação, o que leva o utente à procura de orientação para identificação de causa e tratamento.
As patologias cutâneas do foro inflamatório, como é o caso da psoríase, têm diferentes fatores desencadeantes ou agravantes, como por exemplo, ansiedade, stress, que neste período de pandemia se acentuaram. Por outro lado, as limitações de acesso às consultas programadas, os receios relativos à manutenção da terapêutica (caso dos medicamentos biológicos), o confinamento em casa e o aumento da utilização de agentes de higienização da pele, nomeadamente detergentes e álcool, foram fatores que conduziram ao aparecimento de novos casos e à agudização de casos existentes, o que motivou efetivamente um crescimento nas solicitações de intervenção farmacêutica.
Em caso de suspeita de psoríase, o farmacêutico, no geral, deve recomendar medidas de alívio sintomático e referenciar ao médico de família.
JM | Que desafios é que a pandemia de COVID-19 colocou na atenção do farmacêutico ao doente dermatológico?
GP | Numa primeira fase, sobretudo no período de confinamento obrigatório, o principal desafio foi conseguir manter a qualidade e o rigor do atendimento à pessoa com afeções dermatológicas.
O atendimento feito pelo postigo em muitas farmácias dimensionou as dificuldades deste atendimento pelo distanciamento e pela quase impossibilidade do exame objetivo da pele. Mas, mesmo nas farmácias com atendimento indoor, o receio à exposição, as limitações de proximidade, a urgência de voltar a casa, a pressão e ansiedade condicionaram bastante o atendimento.
Foi preciso reorientar as formas de abordagem/atendimento às pessoas com suspeita de afeção dermatológica ou já previamente diagnosticadas.
Em algumas situações mais criativas, tentou-se ultrapassar esta dificuldade implementando, com recurso às novas tecnologias, um modelo videoatendimento ou teleatendimento, o que permitiu, embora à distância, uma abordagem individualizada próxima à que abordámos, mantendo, através do vídeo ou do envio de fotografias, a possibilidade de observar a pele.
A quase impossibilidade de referenciação ao médico, pela indisponibilidade dos serviços para atendimento de situações não urgentes, foi outro desafio que enfrentámos.
Neste momento são dois os grandes desafios:
- Identificar as situações que exigem efetivamente uma avaliação médica mais célere, já que se mantêm as dificuldades de acesso a consultas;
- Manter a dispensa de medicamentos sujeitos a receita médica, para manutenção da terapêutica crónica prescrita, sem a respetiva prescrição médica, já que muitos doentes não têm consulta há vários meses.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.