No âmbito do Dia Mundial da Psoríase, que se assinala a 29 de outubro, o Jornal Médico falou com Tiago Torres, especialista em Dermatologia e Assistente Hospitalar no Serviço de Dermatologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto, que destacou a importância da coordenação entre os especialistas para uma correta referenciação e acompanhamento do doente.
JORNAL MÉDICO (JM) | Quais as particularidades da psoríase, que a distinguem de outras doenças de pele? E quais as doenças associadas?
TIAGO TORRES (TT) | A psoríase é uma doença inflamatória crónica, imuno-mediada que se estima que afete cerca de 250 mil portugueses. Associa-se a um marcado impacto físico e psicológico com consequente diminuição da qualidade de vida dos doentes. Clinicamente, manifesta-se por placas eritemato-descamativas envolvendo preferencialmente os cotovelos, os joelhos, a região lombo-sagrada e o couro cabeludo, associando-se frequentemente a prurido. Cerca de 30% dos doentes desenvolvem uma forma de doença articular, denominada de artrite psoriática. Adicionalmente, hoje em dia a psoríase é considerada uma doença sistémica, que vai para além da pele, associando-se a múltiplas comorbilidades, essencialmente cardiometabólicas (obesidade, diabetes, hipertensão, entre outras), que se traduz num aumento do risco de doença cardiovascular e a uma esperança média de vida diminuída em cerca de 5-6 anos nos doentes com psoríase grave.
JM | Que impacto tem na qualidade de vida do doente?
TT | A psoríase associa-se a um importante impacto físico e psicológico com consequente diminuição da qualidade de vida dos doentes. Não só devido às visibilidade e sintomatologia das lesões, mas também devido às múltiplas comorbilidades associadas, como a doença cardiovascular, artrite psoriática, depressão e ansiedade. Na realidade, está demonstrado, desde há vários anos, que o impacto da psoríase na qualidade de vida é superior ao de muitas outras patologias habitualmente consideradas mais graves, como o cancro, a diabetes ou a doença cardiovascular. Assim, a psoríase não só se associa a uma diminuição da qualidade de vida e a uma maior mortalidade, como também à diminuição da produtividade laboral e aumento da utilização dos sistemas de saúde, com consequente impacto económico e social.
JM | Analisando o doente psoriático no contexto de Covid-19, existem riscos acrescidos? E que cuidados especiais devem ser tidos em conta?
TT | Os dados que temos atualmente, mostram que a psoríase, por si só, não aumenta o risco de pior prognóstico da COVID-19. Adicionalmente, também muitos dos tratamentos utilizados na psoríase não parecem aumentar esse risco. No entanto, muitas das comorbilidades associadas à psoríase, como obesidade, diabetes, hipertensão ou doença cardiovascular, são reconhecidos preditores de risco para a COVID-19, aumentado assim o risco dos doentes com psoríase. Portanto, os doentes com psoríase devem manter os cuidados de prevenção de contágio, corrigir dentro das suas possibilidades as comorbilidades associada a pior prognóstico da COVID-19, discutirem com o seu médico dermatologista o seu risco individual e, preferencialmente, não devem suspender a sua terapêutica a não ser por decisão do seu médico, ou em caso de infeção COVID-19.
JM | Como deve ser a articulação entre o médico de família e o especialista, qual é o papel do médico de família no diagnóstico inicial e também no encaminhamento para a especialidade?
TT | Os médicos de MGF têm um papel fundamental na abordagem dos doentes psoriáticos. Por um lado, no diagnóstico e tratamento das formas mais ligeiras e localizadas, por outro, na referenciação dos casos mais graves para o Dermatologista. Também no rastreio e diagnostico precoce da artrite psoriática, desempenham um papel fundamental, uma vez que na maioria dos casos, é o médico de MGF que observa o doente nos primeiros sintomas da doença. Por fim, sendo conhecida a associação da psoríase a múltiplas comorbilidades, incluindo cardio-metabólicas, também aqui, o medico de MGF tem um papel crucial na gestão do doente. Felizmente, a interação entre a Dermatologia e a MGF tem sido cada vez melhor, com uma melhoria notória dos cuidados aos doentes psoriáticos.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.