No rescaldo da criação da Sociedade Portuguesa de Flebologia – no seio da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular – o Jornal Médico conversou com o seu fundador e primeiro presidente, Armando Mansilha, que sustenta que esta área requer hoje “uma maior exigência de conhecimento”. Apesar de não constituir uma especialidade médica, a Flebologia “adquire uma autonomia científica e profissionalizante”, sublinha o professor.
JORNAL MÉDICO (JM) | Com que missão surge a Sociedade Portuguesa de Flebologia (SPF)?
ARMANDO MANSILHA (AM) | A SPF é uma sociedade científica cuja missão é envolver-se nesta área de conhecimento transversal a vários profissionais de saúde e que tem evoluído tanto, a vários níveis – desde indicações e técnicas no âmbito do sistema venoso profundo, até ao desenvolvimento de tecnologias variadas.
Atualmente, a Flebologia praticada em Portugal pelos cirurgiões vasculares está ao mais alto nível europeu e mundial. Temos várias publicações com fator de impacto (artigos originais, de revisão) com a nossa chancela, participamos nos principais fóruns internacionais e vários eventos têm acontecido no nosso país. Importa continuar a evoluir… Daí a criação desta sociedade.
Fundamentalmente, a SPF pretende alcançar os patamares qualitativos de exigência a que se propõe, potenciando uma prática de rigor e excelência através de uma discussão mais profícua e individualizada nesta área de conhecimento. Assim, a sociedade contempla a formação, a produção científica e a partilha de práticas, investigações e resultados, com autonomia.
JM | A Flebologia abarca que patologias?
AM | As mais prevalentes e faladas são as varizes nos membros inferiores. Em relação a esta patologia venosa superficial, a discussão engloba as técnicas atualmente associadas ao tratamento de varizes e toda a investigação básica à volta da fisiopatologia, da terapêutica compressiva e da terapêutica com fármacos venoativos.
Outros temas abrangidos pela Flebologia são a trombose venosa profunda e o tromboembolismo venoso com síndrome pós-trombótica, onde se fazem intervenções médicas, mas também cirúrgicas e minimamente invasivas (endovasculares) ao nível do sistema venoso profundo. Esta área implica, ainda, a reflexão sobre tudo o que envolve os novos fármacos anticoagulantes orais e de ação direta.
Também em desenvolvimento e com alguma expressão, gerando controvérsias, estão os assuntos respeitantes à congestão pélvica e às varizes de origem pélvica – nomeadamente, todas as intervenções médicas e cirúrgicas de embolização que se podem fazer nesta área – e tudo o que concerne à linfologia e às dificuldades em lidar com essa área, como malformações de baixo débito fundamentalmente de origem venosa.
JM | Quantos serão os cirurgiões vasculares portugueses que se dedicam exclusivamente a esta área de conhecimento?
AM | Atualmente, há profissionais que se dedicam exclusivamente à área, mas não são flebologistas – porque a Flebologia não existe como especialidade médica em Portugal. Apesar de não ter dados concretos sobre o número de cirurgiões vasculares que realizam este percurso, acredito que será um valor residual.
Ainda assim, para a SPF, o mais relevante é que todos os profissionais ligados à área possam beneficiar com este espaço próprio, materializado nesta nova sociedade, à semelhança do que acontece, por exemplo, com a Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral. Cremos que todos beneficiarão com isso, permitindo uma prática cada vez melhor no futuro.
JM | A SPF já prevê as primeiras ações formativas?
AM | Está já prevista para 2020 a primeira reunião anual da SPF, integrada num dos dias do Congresso Anual da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular (SPACV) – por ocasião dos seus 20 anos. Em articulação com a nossa congénere espanhola organizaremos o Simpósio Ibérico de Flebologia, no Porto. É uma primeira iniciativa, em parceria e sinergética, que não poderia ser mais simbólica. Naturalmente, outras iniciativas ocorrerão no futuro.
Para já, é um caminho a percorrer para dar a esta área específica uma individualidade e melhorá-la. A forma como o vamos fazer pode e deve naturalmente passar pela SPACV, uma vez que nesta sociedade estão representados os cirurgiões vasculares que se debruçam sobre a Flebologia.
JM | Além dos cirurgiões vasculares, que outros profissionais ou técnicos de saúde pretende a SPF conglomerar?
AM | A Flebologia, estando integrada na Cirurgia Vascular, engloba muitas áreas de atuação. Nenhum cirurgião vascular que se dedique exclusivamente à Flebologia trabalha sozinho. Fá-lo com outros colegas – com os colegas da Medicina Geral e Familiar, naturalmente –, enfermeiros e técnicos. A SPF, com o objetivo de formação, vê o trabalho em equipa e a articulação com profissionais de outras áreas como um benefício fundamental.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.