O conceito de fotoreparação no contexto da proteção solar refere-se à capacidade de um produto (cápsula / comprimido / creme / loção ou spray) poder reparar ou reverter os danos induzidos pela radiação solar na pele. Este é um conceito novo, de acordo com a especialista em Dermatologia e Venereologia, Leonor Girão, que explica que, até aqui, “falava-se na proteção solar conferida pelos filtros solares, sendo que o mecanismo de ação dos mesmos só atuava no momento da exposição à radiação – absorvendo ou refletindo a mesma ao nível da pele”. Agora vai-se mais além: substâncias com a capacidade ou potencialidade de reparar as alterações nefastas induzidas pela radiação solar nas células cutâneas, mesmo após a exposição já ter ocorrido. Ou seja, reparar um dano já existente. “Isso é particularmente importante nas lesões cutâneas ditas pré-malignas (queratoses e queilites actínicas), nas condições clínicas mais suscetíveis aos danos solares (imunossuprimidos ou submetidos a quimio e radioterapia), nos fototipos mais baixos (mais vulneráveis à radiação por menor produção de melanina) e, claro, quando há uma predisposição genética para cancros cutâneos (por exemplo, xeroderma pigmentosum e albinos)”, de acordo com a dermatologista.
JORNAL MÉDICO (JM) | Quais os principais fotoreparadores?
LEONOR GIRÃO (LG) | Duas substâncias têm estudos científicos robustos que comprovam a sua utilidade na reparação dos danos do ADN induzidos pelo sol: o polipodium leucotomus e a fotoliase.
O polipodium leucotomos é um polifenol extraído de uma planta (feto) com capacidade de recuperar o anião superóxido e reduzir o stress oxidativo, potencia o sistema antioxidativo endógeno (bloqueia formação de ROS). Estudos demonstram a diminuição da prevalência de cancros cutâneos não melanoma induzidos pela RUV e aumento do nº de células p53. É a substância estudada como antioxidante e fotoreparadora com maior número de estudos em humanos.
A fotoliase é uma enzima extraída do plâncton. Trata-se de uma flavoprotéina que repara os fotoprodutos de ADN – dímeros de pirimidina ciclobutano (CPD) – induzidos pelos UVB. Necessita de fotoreativação por luz azul. É incorporada nos filtros solares encapsulada em lipossomas. Vários estudos demonstram resultados importantes. Exemplo: no xeroderma pigmentosum, remoção de 40-45% de CPD; diminuição de QA em 65% e de CBC em 56% e CEC 100% (n= oito doentes) em 12 meses de tratamento.
JM | Os antioxidantes ainda têm um papel na fotoproteção?
LG | Certamente. São várias as substâncias com ação antioxidante e reparadora do stress oxidativo induzido pela poluição, pelo tabaco e pela radiação UV: as vitaminas E, C e A, a nicotinamida (vitamina B3), os carotenoides, o selénio, a ectoina, o manitol, os polifenóis (chá verde, ácido cafeico, ácido ferúlico). Nem todas têm estudos científicos robustos, muitas só demonstraram resultados em estudos in vitro e há ainda muita investigação em curso nesta matéria, sobretudo no que respeita a concentrações, associação de substâncias e formas de administração.
No entanto, alguns resultados são muito interessantes e a ter em conta. Um exemplo: num estudo de 2017 de fase III em doentes com antecedentes de cancro cutâneo não melanoma a administração de 500mg de nicotinamida duas vezes ao dia diminuiu em 23% os NMSC e em 11% as QA aos 12 meses.
JM | Qual o papel do dermatologista na fotoproteção/fotoreparação?
LG | Numa época em que os media e as redes sociais constituem a maior fonte de informação do cidadão comum é fundamental que o dermatologista seja a referência e um agente de divulgação científica correta sobre cancro cutâneo e fotoproteção. Há muita desinformação, muitos conceitos errados, mitos em relação ao uso de filtros solares, substâncias químicas, benefícios e malefícios dos mesmos. É crucial passar a mensagem que a fotoproteção é essencial para a prevenção do cancro cutâneo, que não se esgota nos filtros solares, as medidas físicas (chapéu, roupa e sombra) são indispensáveis e um complemento económico e, muito importante, que existem já outros produtos com ação de fotoreparação dos danos sofridos.
JM | O que esperar do futuro e quais as tendências na área da fotoproteção/fotoreparação?
LG | Continuamos à procura do verdadeiro “escudo invisível” para a radiação solar: um
filtro solar com alto índice de proteção da radiação (particularmente na radiação UV, mas também no espectro visível e infravermelho), remanescente, não tóxico para os humanos e para o meio ambiente, não alergénico, invisível, cosmeticamente agradável e económico. A juntar a isso, o futuro vai passar seguramente pelo desenvolvimento da fotoreparação e fotoreversão dos danos solares, com desenvolvimento de novas substâncias tópicas e sistémicas (orais), eficazes, de uso simples, passíveis de uso generalizado e capazes de corrigir danos existentes. Enfim, capazes de “reescrever” a nossa história solar. Vários extratos de microalgas e de plantas encontram-se atualmente em estudo. O futuro é animador.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.