Dois sindicatos médicos pediram a intervenção da Direção-geral do Emprego para mediar a negociação do acordo de empresa para os trabalhadores médicos do SAMS (serviço de assistência dos bancários).
Numa carta enviada à Direção-geral do Emprego, o Sindicato Independente dos Médicos e o Sindicato dos Médicos da Zona Sul dão conta das dificuldades negociais com o Sindicato dos Bancários.
Numa nota aos associados, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) lembra que o percurso negocial com o Sindicato dos Bancários “sempre foi conturbado”, remonta a 2011 e que chegou já a ter a intervenção externa da Direção-geral do Emprego.
Em declarações à agência Lusa, o presidente do SIM, Roque da Cunha, considera que “o Sindicato patrão [o dos bancários] teve uma atitude negocial inexplicável”, recorrendo a uma multinacional para tentar negociar o acordo de empresa e a regulamentação específica dos médicos que trabalham no SAMS.
“Reiteradamente os sindicatos médicos solicitaram reunião com a direção do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, que não se dignou sequer a responder”, referiu ainda Roque da Cunha.
As negociações para o acordo de empresa começaram em 2011, quando o Sindicato dos Bancários apresentou uma proposta de acordo de empresa para todas as carreiras de forma indiscriminada.
Os sindicatos médicos recusaram, indicando que os trabalhadores médicos deviam ter uma regulamentação coletiva específica, à semelhança do que se passava já com o Serviço Nacional de Saúde.
Várias unidades privadas simularam convenções com o Serviço Nacional de Saúde para atender utentes, nalguns casos invocando de forma indevida a necessidade de pagamento de taxas moderadoras, segundo o regulador.
A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) divulgou hoje no seu site um conjunto de deliberações sobre unidades privadas que usam indevidamente a qualidade de estruturas com convenção com o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Depois de queixas de utentes, a Entidade Reguladora percebeu que algumas das unidades em causa “assumem de forma não autorizada a qualidade de convencionados do SNS”.
Num dos casos, a unidade investigada indicava aos utentes ter convenção com o SNS na área dos meios complementares de diagnóstico de cardiologias. Noutras situações estavam em causa cuidados de fisioterapia ou reabilitação ou ainda da área de estomatologia.
A Entidade Reguladora da Saúde determina a estas unidades que se abstenham, de forma imediata, a prestar cuidados de saúde aos utentes do SNS sem terem convenção para o efeito.
Algumas destas unidades, ainda que sem convenção, atendiam utentes portadores de credenciais emitidas pelo SNS, chegando a cobrar preços pelos serviços prestados mesmo a utentes que estariam isentos do pagamento de taxas moderadoras.
Os dados da atividade assistencial do Serviço Nacional de Saúde (SNS), enviados à nossa redação através de uma nota de imprensa da ACSS, revelam que, de janeiro a abril de 2015, houve um crescimento da atividade realizada nos cuidados de saúde primários, nomeadamente em termos de consultas médicas domiciliárias (mais 1,7 por cento), presenciais (mais 0,5 por cento) e de Enfermagem (mais 0,9 por cento), comparativamente com o mesmo período de 2014. A atividade hospitalar também registou um aumento de produção, com destaque para a atividade cirúrgica (mais 1,4 por cento) e as consultas externas (mais 1,5 por cento).
De janeiro a abril de 2015, 4.475.968 utilizadores de cuidados de saúde primários realizaram mais de 10,2 milhões de consultas, menos 0,2 por cento que em 2014, segundo consta no mesmo comunicado.
Até abril de 2015, os hospitais do SNS realizaram 4,2 milhões de consultas registando um aumento de 1,5 por cento (+ 66.887 consultas) face a 2014. O total de primeiras consultas foi de 1,2 milhões e quase 3 milhões nas consultas subsequentes, valores também superiores aos registados em igual período de 2014.
O valor global de consultas prestado pelo SNS, quer ao nível hospitalar, quer dos cuidados de saúde primários, foi de 14.384.275 consultas.
Cirurgias em crescendo
Ainda de acordo com a nota de imprensa, verifica-se que nos primeiros quatro meses de 2015 manteve-se a tendência de elevados padrões de desempenho ao nível da atividade cirúrgica. Foram realizadas mais 2.707 intervenções cirúrgicas do que em igual período de 2014 (mais 1,4 por cento).
Continua a verificar-se um crescimento gradual das cirurgias de ambulatório, sendo que 58,2 por cento das intervenções realizadas entre janeiro e abril ocorreu neste regime, com ganhos efetivos para a conveniência do utente.
Mais consultas ao domicílio e de Enfermagem
Ainda em relação às consultas, destaca-se o aumento de 1,7 por cento da atividade médica realizada no domicílio. Verificou-se, no entanto, uma diminuição de 2,2 por cento de consultas médicas não presenciais, fator que, segundo os dados disponibilizados, é influenciado pelo aumento do peso das receitas eletrónicas renováveis, com ganhos de comodidade para os utentes e de gestão para os prestadores de CSP.
O aumento já indicado das consultas de Enfermagem registadas até abril de 2015 (0,9 por cento) equivale a mais 45 mil consultas, num total de cerca de 5 milhões de consultas de Enfermagem nos primeiros quatro meses deste ano.
Um dos aspectos mais relevantes e que surge como consequência natural dos resultados obtidos nas demais avaliações realizadas pela equipa liderada pelo Professor Tiago Correia, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do ISCTE-IUL, foi o de se e com que intensidade as reformas implementadas no âmbito da intervenção da troika afectaram negativamente o estado de saúde da população. E aqui, importa recordar, os resultados reflectem a percepção dos médicos inquiridos relativamente ao alegado impacto.
No seu relatório, os investigadores começam por ressalvar o facto de a despesa directa das famílias com a saúde ter vindo a aumentar significativamente mesmo antes do período de intervenção da troika. Um crescimento que faz com que Portugal seja o país da União Europeia onde a tendência de agravamento da contribuição directa das famílias para o financiamento da saúde tem sido mais expressivo, situando-se actualmente em cerca de 32% do total da despesa, muito acima da média europeia, que ronda os 21%. Um aumento que andou a par com a diminuição do rendimento disponível por via do “aumento brutal de impostos” que se seguiu à entrada em vigor do memorando de entendimento (MdE) com os credores internacionais.
Tendo em conta estas duas realidades e suportados pela sua experiência pessoal, a maioria dos médicos inquiridos (70,3%) afirmou que “os doentes têm pedido com mais frequência a prescrição de medicamentos mais baratos mas, mais significativo, motivos económicos evocados pelos doentes têm levado ao abandono da terapêutica (segundo 53,3% dos médicos) e ao pedido de não prescrição de medicamentos (segundo 23,5% dos médicos) desde 2011”, lê-se no documento.
As diferenças entre sector público e privado são significativas, ainda que os “estragos” provocados pela crise se façam sentir de forma expressiva em ambos. De facto, quase 80% dos médicos do SNS inquiridos afirmaram que os doentes lhes têm pedido mais vezes para prescrever medicamentos mais baratos. No sector privado, o mesmo pedido foi referido por 52,3% dos médicos.
Dada a sua especificidade, a expressão das dificuldades financeiras dos utentes assumiram outras formas no sector privado. Por exemplo, 12% dos médicos referiram que os doentes lhes têm pedido para fraccionar o pagamento das consultas e dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT); 13,6% referiram que os doentes pedem para não prescrever medicamentos por motivos económicos e um terço constatou uma diminuição da adesão à terapêutica por parte dos doentes devido à falta de recursos financeiros.
Quando se analisa com maior detalhe os dados relativos ao abandono da terapêutica referida pelos médicos que prestam serviço em unidades do SNS, verifica-se que não há diferenças muitos significativas entre a percepção do fenómeno nos cuidados secundários (60%) e nos CSP (65%).
Para os investigadores, estes resultados, “particularmente o aumento do abandono de terapêuticas no SNS representam, de facto, barreiras efectivas no acesso e consumo de cuidados de saúde”. Abandono que tem expressões diversas nas diferentes especialidades, sendo a Pediatria, a que apresenta valores mais baixos mas ainda assim significativos (30%). Já os especialistas em Medicina Física e de Reabilitação são os que reportam em maior número o abandono das terapêuticas por motivos económicos (84,5%).
Mas há outras especialidades onde a percepção dos médicos de que ocorre abandono da terapêutica por parte dos doentes é significativa. É o caso da Psiquiatria e da Pneumologia (a rondar os 70%) da MGF (60%) e da Oncologia (50%).
Outra manifestação do impacto da crise na saúde dos portugueses traduz-se no aumento das faltas dos utentes às consultas no SNS, fenómeno percepcionado por 57,9% dos médicos (60% nos hospitais e 55,5% nos CSP). Neste parâmetro, o relatório sublinha a importância de se “reflectir nas implicações de 39,5% dos oncologistas afirmarem que o absentismo dos doentes aumentou.
Trata-se de uma situação que passa à margem da contabilização realizada por entidades oficiais. E como? Os investigadores do ISCTE-IUL apontam hipóteses: “por exemplo, em situações que os doentes negoceiam a não marcação ou adiamento de consultas directamente com os médicos”, lê-se no relatório.
O debate sobre o impacto das medidas decorrentes da intervenção da troika na qualidade dos cuidados prestados é recorrente, não sendo possível determinar, com base em dados fidedignos se erra quem afirma que foi negativo, quem garante o contrário, ou mesmo, quem percepcione que não terá ocorrido qualquer impacto digno de nota. Um impasse que a equipa de investigadores do ISCTE-IUL procurou resolver através do inquérito dirigido aos médicos com o objectivo de conhecer a percepção destes profissionais das mudanças ocorridas entre 2011, ano em que o País foi alvo de resgate por parte da troika e 2013.
Em concreto procurou-se saber se os médicos consideram ter havido impacto na acessibilidade da população aos serviços de saúde e se os ganhos de eficiência e eficácia percepcionados (ver peça anterior) permitiram melhorar a prática clínica. É de notar, que não é possível aferir que medidas políticas em concreto justificam estas respostas, nem se as mesmas decorrem das condições negociadas no memorando.
O impacto da crise na actividade médica
A primeira e mais óbvia dúvida que se levanta relativamente a eventuais impactos das medidas adoptadas para a Saúde no âmbito do memorando de entendimento (MdE), é a das repercussões no exercício da actividade médica. Isto é, se se registaram interferências na prestação habitual de cuidados de saúde como consequência das medidas de contenção da despesa.
As respostas confirmam as denúncias que dia-sim, dia-não preenchem os noticiários. As pressões para poupar interferem de facto na prática clínica, a vários níveis e com diferentes gradações.
De acordo com os médicos inquiridos, o tipo de interferência no trabalho médico mais sentido pelos profissionais “está relacionado com faltas recorrentes de material nas instituições. A situação é particularmente visível no SNS, chegando a 59,8% dos médicos que trabalham no sector não hospitalar (CSP e cuidados continuados) e a 44,2% dos médicos hospitalares, mas igualmente presente no sector privado: 28,5% nos consultórios e clínicas e 32,5% nos hospitais”, lê-se no relatório cujas conclusões foram divulgadas há dias.
Faltas ou problemas com material informático e consumíveis de escritório, bem como de material descartável como luvas, agulhas, sondas ou pensos, foram algumas das lacunas que passaram a ser comuns após 2011.
A estas, junta-se a percepção, também amiúde denunciada na praça pública, de que nos hospitais públicos é recusado o acesso a tratamentos inovadores, situação relativamente à qual 16,5% dos médicos que responderam ao inquérito afirmaram ter conhecimento directo ou indirecto. Uma situação menos frequente mas ainda importante nos hospitais privados, onde essa percepção foi assumida por 10,6% dos inquiridos, que destacaram as terapêuticas relacionadas com as áreas da oncologia e diabetes, como as mais afectadas.
Já nos cuidados de saúde primários (CSP), as situações mais comuns de pressão percepcionadas pelos médicos foram no sentido de se gastar menos com os doentes (24,4%) particularmente ao nível da requisição de meios complementares de diagnóstico e terapêutica e da prescrição de alguns medicamentos (22%), particularmente antibióticos, antidiabéticos e anti-hipertensores, que configuram, apontam os autores, “situações de constrangimento à livre decisão médica na prescrição de medicamentos e não necessariamente o incentivo à prescrição de genéricos”.
Uma análise mais “fina” dos resultados permite identificar as “queixas” em função da especialidade. Assim, no que se refere às faltas recorrentes de material, referidas por 37,9% dos inquiridos (média do conjunto das especialidades), elas foram apontadas por 54,4% dos médicos de família, 52,9% dos anestesiologistas. Valores elevados neste parâmetro registaram ainda a Medicina Física e de Reabilitação (MFR), a Urologia, a Radiologia a Medicina Interna a Cirurgia Geral e a Otorrinolaringologia.
As pressões para gastar menos com os doentes tiveram maior expressão, como se viu, na MGF, mas também registaram valores significativos em Oncologia, MFR, Anestesiologia, Ortopedia e Medicina Interna.
Já no que se refere a medicamentos, a pressão para não prescrever foi particularmente sentida na área da Oncologia e da MGF, assumindo ainda expressão importante na Anestesiologia, Cirurgia Geral, Urologia, MFR e Pneumologia.
Finalmente, a recusa de acesso a tratamentos inovadores foi mais expressiva nas áreas da Urologia (52,5%), Oncologia (46,5%) e Cardiologia (26,4%).
No relatório, os investigadores do ISCTE-IUL destacam o facto de cerca de 40% dos médicos hospitalares afirmar “já ter sido confrontado com a falta de medicamentos no tratamento adequado dos doentes”. Uma situação mais frequente nos hospitais PPP (cerca de 54%) do que nos do sector privado, convencionado e lucrativo, que ainda assim apresentam uma percentagem elevada (33%).
Expressivo é também o número de médicos hospitalares que afirmou ter estado envolvido em cirurgias adiadas (30%) e em técnicas invasivas impedidas por falta de material disponível (23%).
Um novo tratamento para o cancro, baseado na ativação do sistema imunológico, através de moléculas biológicas, tem "resultados muito interessantes", mas é caro e a sua aplicação vai depender da decisão dos responsáveis hospitalares, afirmou hoje um especialista.
"Estes tratamentos são uma grande revolução e estão indicados para cancros mais avançados, pois para cancros em fases iniciais temos outras alternativas", disse à agência Lusa o vice diretor do Instituto de Medicina Molecular (IMM).
Bruno Silva Santos avançou que o tratamento, na área da imunoterapia, chamado pembrolizumab, vai estar disponível em Portugal a partir deste mês e "é necessário que o Serviço Nacional de Saúde tenha dinheiro para comparticipar", uma decisão que "tem de ser tomada ao mais alto nível nos vários hospitais", pois é "realmente caro", custando cerca de 100 mil euros.
Já o ipilimumab, o outro tratamento que segue o mesmo princípio, já está aprovado nos EUA e na Europa e é usado em Portugal para o melanoma metastático e "é impressionante o efeito que essa molécula teve", acrescentou.
O investigador falava a propósito de um encontro marcado para sábado, na Fundação Champalimaud, em Lisboa, para informar profissionais ligados à investigação pré-clínica e à prática clínica acerca do avanço desta alternativa.
"Trata-se de anticorpos, moléculas biológicas produzidas por células vivas", diferentes dos tratamentos feitos com drogas químicas, como a quimioterapia, e que começaram por ser usadas no tratamento do melanoma metastático, referiu.
No último ano, os resultados foram alargados a outros tipos de cancro, incluindo o do pulmão, e atualmente decorrem ensaios clínicos para perceber em que cancros sólidos estes anticorpos têm resultados mais interessantes.
"O que eles fazem é remover o travão que impede que o sistema imunitário, neste caso os linfócitos T, esteja ativamente a combater o cancro", explicou, e o objetivo é "reverter o processo em que o sistema imunitário está a perder a batalha para o cancro".
Até agora, tentava-se focar a luta nas células cancerígenas, eliminando-as com quimioterapia, radioterapia ou com cirurgia, mas em muitos casos os cancros são resistentes a estas terapias.
Para poder receber este tratamento, o doente não pode estar demasiado debilitado ou ter doenças autoimunes.
"Se tivermos um tumor em estadio 1 e 2, os estados iniciais, ainda são relativamente fáceis [de ser] alvejados pelos outros tratamentos mais baratos, mais estabelecidos na clínica e de mais fácil acesso", enquanto a imunoterapia "surge para os estadios 3 e 4 que são casos mais avançados".
E para o cancro do pulmão, "tipicamente induzido pelo fumo do tabaco, este tratamento pode dar uma nova esperança", realçou o responsável do IMM, um dos especialistas a participar no encontro.
Acerca do valor do novo tratamento, Bruno Silva Santos defendeu ser necessário fazer as contas ao custo dos outros tratamentos, nomeadamente quando se prolongam por vários anos.
"Os locais credenciados para tratamentos médicos de saúde têm todos e por igual acesso a este tratamento, depois é a questão de quem é que consegue pagar", admitiu.
Perante a taxa de sucesso entre 50% e 60% apresentada pela imunoterapia, os investigadores procuram "biomarcadores, parâmetros biológicos, que permitam prever a resposta dos doentes para otimizar os recursos".
O antigo responsável pelo serviço nacional de saúde inglês, Nigel Crisp, considera que “não existe margem” para aumentar as taxas moderadoras em Portugal, porque os pagamentos a cargo do doente já são muito elevados.
Num artigo intitulado o “Futuro do Sistema de Saúde Português”, publicado na revista Ata Médica Portuguesa, Nigel Crisp afirma que “não existe margem para aumentar as taxas moderadoras, uma vez que os pagamentos não comparticipados (franquias ou taxas moderadoras) – aqueles que não são reembolsados pelo seguro ou pelo SNS – são muito elevados em Portugal, ascendendo a 27% do total de gastos com a saúde”.
De igual modo, o especialista considera que “existe uma escassa margem para um aumento dos impostos”, exceto no que se refere aos impostos sobre o tabaco, o álcool e outros produtos nocivos para a saúde.
Esta situação significa que “é necessário acentuar a importância decisiva da gestão de custos, reduzindo desperdícios e duplicações, reformulando serviços e melhorando a relação qualidade/preço”, defende Nigel Crisp, que presidiu à comissão que elaborou o Relatório o Futuro da Saúde em Portugal, a pedido da Fundação Calouste Gulbenkian.
Para o especialista, que esteve dois anos em Portugal a estudar o sistema de saúde português, o futuro do Serviço Nacional de Saúde (SNS) “irá certamente depender da natureza dos problemas de saúde que o país terá que enfrentar”.
“O sistema de saúde português apresenta consideráveis mais-valias e um impressionante historial de sucesso, embora enfrente atualmente importantes constrangimentos associados ao aumento da procura e às restrições relativamente ao seu financiamento”, sublinha.
A continuação do sucesso do SNS irá depender do modo como os portugueses e os médicos vierem a “dar resposta” a estes constrangimentos, mas também de “uma visão clara relativamente ao futuro” e de “uma gestão conjunta qualificada dos profissionais de saúde, políticos e outros decisores na sociedade em geral”.
“O SNS não será sustentável a menos que seja aliviado algum do constrangimento por meio de uma abordagem mantida e sistemática de prevenção dos problemas de saúde e promoção da saúde e bem-estar físico e mental. O SNS, só por si, não poderá fazê-lo”, sublinha.
Na análise, Nigel Crisp considera o SNS “particularmente robusto” em termos de serviços hospitalares, mas menos em cuidados primários e continuados, com muitos doentes a usarem as urgências hospitalares por “não terem acesso a cuidados primários ou por terem pouca expectativa na sua qualidade”.
“Apesar de existirem muitos serviços de muito boa qualidade um pouco por todo o país, os dados disponíveis sugerem que existe uma ampla variação no que se refere à prática e resultados clínicos”, sublinha no artigo publicado na revista científica da Ordem dos Médicos.
As medidas adoptadas pelo Governo na sequência da assinatura do memorando de entendimento celebrado com a troika tiveram impacto no desempenho profissional dos médicos? Uma questão pertinente, para a qual os investigadores do ISCTE-IUL procuraram encontrar respostas no inquérito que enviaram à totalidade dos médicos inscritos na Ordem ao qual responderam 3.183 clínicos, uma amostra onde estão representados médicos de 45 especialidades.
As respostas consubstanciam uma auto-avaliação da vida profissional por antiguidade e natureza do prestador (público ou privado).
A análise das respostas revela desde logo que “os médicos mais novos no sector público tendem a estar mais motivados, satisfeitos e menos exaustos do que os colegas no sector privado”, situação que se inverte à medida que o número de anos de exercício aumenta, tornando-se particularmente acentuada no que se refere à falta de motivação e sensação de exaustão com o trabalho dos médicos que exercem no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Dito de outro modo: o pico da desmotivação e sensação de exaustão é mais elevado entre os jovens médicos que exercem no sector privado e nos médicos com mais tempo de serviço afectos a unidades do SNS.
Outro dos dados que o inquérito do ISCTE-IUL procurou conhecer foi o das dificuldades económicas dos médicos face a 2011.
Neste indicador, foram os médicos a trabalhar em exclusivo no sector privado que mais denunciaram “sentir dificuldades financeiras desde 2011 (21%), sendo claro que a situação de duplo emprego faz baixar esse valor para cerca de 16%”. Ou seja, aponta o relatório, “não obstante a maior satisfação e motivação destes profissionais, é notória uma pior avaliação das condições económicas no sector privado”. Uma situação que assume particular relevância nos consultórios (24%) mas que é menos visível nos hospitais (15,4%).
A análise da situação nos CSP revela situações distintas em função do modelo de unidade em que os médicos exercem a sua actividade. Assim os médicos das unidades de saúde familiar (USF) referem menores dificuldades financeiras (17,3%) do que os seus colegas das unidades de cuidados de saúde personalizados (UCSP), onde as dificuldades financeiras foram referidas por 26% dos inquiridos. Uma diferença que encontra explicação no facto de a remuneração dos médicos de família a exercerem em USF (particularmente do Modelo B) ser sensível – e muito – ao cumprimento de indicadores contratualizados com as ARS, que em muitas situações permite incentivos que mais do que duplicam a retribuição base.
Quando se ordenam as respostas por especialidades, “verifica-se os estomatologistas são claramente os que mais manifestam o aumento das dificuldades económicas face a 2011 (35,3%), seguidos dos especialistas em Medicina Geral e Familiar (25,1%) e psiquiatras (21,8%)”, informa o relatório. Os que menos razões de queixa têm a apontar são os cardiologistas (7,7%), radiologistas (9,6%) e gastroenterologistas (10,9%).
E emigrar?… Uma situação tantas vezes apontada como justificação para a crescente falta de médicos nos serviços de saúde. É algo que preencha a mente da maioria dos médicos portugueses?
A análise das respostas dos médicos com vínculo público em exclusividade revela que os motivos que os podem levar a emigrar estão relacionados com o aumento das dificuldades económicas e com a falta de satisfação profissional. “A possibilidade de emigrar é superior em 46,5% entre os médicos que sentem dificuldades económicas por comparação aos que não sentem dificuldades económicas, enquanto a possibilidade de emigrar é inferior em 57,4% entre os médicos que se sentem satisfeitos com o trabalho comparativamente aos que não se sentem satisfeitos”, lê-se no relatório.
Os contornos são semelhantes relativamente aos inquiridos a exercer no sector privado: o aumento da possibilidade de emigrar está estatisticamente relacionado com dificuldades económicas e com baixa motivação com o trabalho. Assim, a possibilidade de emigrar é superior em 64,6% entre os médicos que sentem dificuldades económicas por comparação aos que não as sentem, enquanto a possibilidade de emigrar é inferior em 76,8% entre os médicos que se sentem motivados com o trabalho comparativamente aos que não se sentem.
Dos resultados obtidos, os investigadores destacam ser “limitativo pensar na possibilidade de emigração dos médicos como reflexo do desemprego”. Com base nas respostas obtidas através do inquérito, “fica claro que aspectos relacionados com a remuneração mas, mais importante, com a motivação ou a satisfação geral com o trabalho têm um forte poder explicativo na ponderação que os médicos fazem em sair do país”, conclui-se no relatório.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.