Um estudo publicado na revista Nature, revela como uma área do cérebro nos impede de agirmos precipitadamente, "descobrimos uma área do cérebro responsável por desencadear a ação e outra por suprimir esse impulso. E, além disso, conseguimos também provocar comportamentos impulsivos mediante a manipulação de neurónios nessas áreas", afirmou o autor do estudo, Joe Paton, diretor do programa de Neurociência do Champalimaud Research, em Portugal.
A ideia surgiu tendo em conta as doenças de Parkinson e Huntington, tendo em conta que ambas se manifestam através de distúrbios do movimento, mas com sintomas completamente opostos. Enquanto os doentes com Huntington apresentam um quadro de movimentos involuntários e descontrolados, os doentes com Parkinson revelam problemas em dar início à ação. Ambas as doenças decorrem da disfunção da mesma região do cérebro: os gânglios basais.
Segundo Joe Paton, uma importante pista surgiu de estudos anteriores que identificaram a existência de dois circuitos principais nos gânglios basais: as vias direta e indireta. Acredita-se que enquanto a atividade da via direta promove o movimento, a via indireta suprime-o. No entanto, a forma como essa interação acontecia era, até agora, desconhecida.
O investigador e a sua equipa decidiram abordar o problema focando a sua investigação nos gânglios basais durante o movimento, decidiram concentrar-se na supressão ativa da ação. A equipa desenhou uma experiência em que os ratinhos tinham que determinar se um intervalo que separava dois sinais sonoros era superior ou inferior a 1,5 segundos. Se fosse mais curto, receberiam uma recompensa do lado esquerdo da caixa e, se fosse mais longo, a recompensa seria disponibilizada do lado direito.
"O factor crucial era que o ratinho tinha que ficar imóvel no período entre os dois sons", explica Bruno Cruz, aluno de doutoramento no laboratório. “O que implicava que, mesmo que o ratinho tivesse a certeza de que a marca dos 1,5 segundos já tinha passado, precisava suprimir o impulso para se mover até ouvir o segundo som e só depois podia ir buscar a recompensa”.
Os investigadores controlaram a atividade neural de ambas as vias - direta e indireta - enquanto o ratinho realizava esta tarefa e observaram que, tal como tinha acontecido em estudos anteriores, os níveis de atividade foram semelhantes quando o ratinho estava em movimento, mas o mesmo não aconteceu durante o período de supressão da ação.
“Curiosamente, ao contrário da co-ativação que tanto nós, como outros investigadores, observaram durante o movimento, os padrões de atividade das duas vias durante o período de supressão de ação eram diferentes. A atividade da via indireta era no geral mais elevada e aumentava de forma contínua enquanto o ratinho aguardava pelo segundo som”, refere Bruno Cruz.
Segundo os autores, esta observação sugere que a via indireta suporta, de forma flexível, os objetivos comportamentais do animal. "Com o passar do tempo, o ratinho fica mais confiante de que está numa situação de 'intervalo longo'. E assim, o seu impulso para se mover torna-se cada vez mais difícil de conter. É provável que o aumento contínuo na atividade da via indireta reflita essa luta interna", explicou Bruno Cruz.
Inspirado por esta ideia, resolveu testar o efeito da inibição da via indireta. Essa manipulação fez com que os ratinhos manifestassem um comportamento impulsivo com maior frequência, aumentando significativamente o número de vezes em que avançavam prematuramente para a porta que seria recompensada. Com esta abordagem inovadora, a equipa descobriu efetivamente uma “mudança na impulsividade”.
“Esta descoberta tem amplas implicações”, refere Joe Paton. “Além da relevância óbvia para as doenças de Parkinson e Huntington, também oferece uma oportunidade única para investigar condições relacionadas com o controlo de impulsos, como o vício ou as perturbações obsessivo compulsivas”.
A equipa identificou uma região do cérebro que suprime ativamente o impulso para agir, mas qual a origem desse impulso? Uma vez que se acredita que a via direta promove a ação, o primeiro suspeito foi a via direta dessa região. No entanto, este estudo demonstrou que o comportamento do ratinho praticamente não era afetado quando os investigadores inibiam essa via.
"Sabíamos que os ratinhos estavam a sentir um forte impulso para agir, na medida em que a remoção da inibição promovia uma ação impulsiva. Mas não ficou imediatamente claro onde o local da promoção da ação poderia ser. Para responder a essa pergunta, decidimos recorrer a modelos computacionais", lembrou Joe Paton.
"Os modelos matemáticos são extremamente úteis para dar sentido a sistemas complexos, como este", acrescentou Gonçalo Guiomar, aluno de doutoramento do laboratório. "Tendo por base o conhecimento acumulado sobre os gânglios basais, formulamos matematicamente e testámos como o sistema processa as informações. Combinámos então a previsão do modelo com as evidências de estudos anteriores e identificámos um novo e promissor candidato: o estriado dorsomedial."
A hipótese avançada pela equipa estava correta. A inibição de neurónios da via direta, nessa nova região, foi suficiente para alterar o comportamento dos ratinhos. “Ambas as regiões que estudámos estão localizadas numa parte dos gânglios basais designada estriado. A primeira área é responsável pelas chamadas funções sensório-motoras de 'baixo nível' e a segunda é dedicada às funções de 'alto nível', como planear”, explicou Gonçalo Guiomar.
Os autores consideram que as suas descobertas contradizem a perceção geral que existe sobre o funcionamento dos gânglios basais, que é mais centralizada, e que o seu modelo oferece uma nova perspetiva: “O nosso estudo indica que potencialmente existem múltiplos circuitos neurais no cérebro que estão em constante competição relativamente a qual será a próxima ação a realizar", referiu Joe Paton. Esta informação é essencial para entender, de forma mais aprofundada, como este sistema funciona, o que por sua vez pode ser determinante para o tratamento de certos distúrbios do movimento, mas não fica por aqui”, acrescentou.
O estudo pode ser consultado, aqui.
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