Entidades científicas nacionais dedicadas ao Acidente Vascular Cerebral (AVC) alertam para o impacto da Covid-19 no prognóstico dos doentes com AVC e sensibilizam para o efeito “potencialmente dramático”, na mortalidade e no estado funcional dos mesmos.
O apelo conjunto integra a Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral (SPAVC), a Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN), o Núcleo de Estudos de Doença Vascular Cerebral (NEDVC) da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) e a Sociedade Portuguesa de Neurorradiologia de Intervenção (SPNI).
Após reunirem vários profissionais dedicados à área da doença vascular cerebral, em iniciativas diversas das quatro sociedades científicas – como webinars, inquéritos nacionais e reuniões –, a principal preocupação dos especialistas prende-se com a chegada tardia dos doentes aos centros de tratamento de AVC, durante a pandemia.
De acordo com um inquérito nacional de perceções aplicado a este grupo de profissionais de saúde, a afluência de doentes aos Serviços de Urgência e Unidades de AVC foi “significativamente afetada”, uma vez que “apenas 22% dos inquiridos afirma ser relativamente semelhante”.
Nos centros em questão, diminuiu também “consideravelmente”, o número de doentes tratados com fibrinólise e trombectomia mecânica.
“A SPAVC mostra-se preocupada com o impacto potencialmente dramático que este facto terá nas taxas de mortalidade global do nosso País, bem como no estado funcional dos doentes com AVC”, afirma Vítor Tedim Cruz, da direção da SPAVC.
Em representação SPN, Miguel Rodrigues sublinha que, para combater esta tendência, “os doentes com AVC não devem recear recorrer aos Serviços de Urgência”, porque os hospitais têm “circuitos diferentes para os doentes com e sem sintomas da Covid-19”.
O neurorradiologista de intervenção Ângelo Carneiro, da SPNI, recorda que “os hospitais já se prepararam para atender os doentes com AVC de forma adequada, fazendo testes de rastreio sempre que necessário, criando circuitos independentes de doentes, tentando minimizar os tempos de permanência em unidades de cuidados intensivos e em internamento, por forma a reduzir ao máximo a possibilidade de um doente com AVC ser contagiado”.
“As equipas de Neurorradiologia de Intervenção continuam operacionais nos vários centros, a desempenhar o seu papel na realização de tratamentos endovasculares no AVC agudo, da mesma forma como o faziam anteriormente, salvaguardando sempre a segurança destes doentes”, assegura.
A coordenadora do NEDVC da SPMI, Luísa Fonseca, destaca que é “igualmente premente” lembrar que o 112 deve ser ativado: “Sempre que for identificado um dos sinais de alerta de AVC – face descaída, perda de força no braço ou perna, ou alteração da fala –, de modo a permitir que os doentes sejam orientados para a unidade hospitalar que permite realizar tratamento de fase aguda adequado”.
Neste sentido, Vítor Tedim Cruz compreende que é necessário continuar a sensibilizar a população para que seja capaz de diferenciar uma situação emergente, como é um AVC, de uma situação potencialmente urgente, como é considerada a infeção por SARS-CoV-2. “No primeiro caso, a escala continua a ser aferida em minutos, enquanto no segundo falamos certamente de dias ou semanas”, esclarece o neurologista.
Os especialistas alertam ainda para o controlo dos fatores de risco, de forma a prevenir a ocorrência ou recorrência de um AVC.
“Os doentes devem manter a terapêutica para controlo de fatores de risco vascular – anti-hipertensores, estatinas, antiagregantes plaquetários, anticoagulantes e terapêutica para diabetes. Não existe, atualmente, qualquer indicação para suspender nenhuma das terapêuticas previamente prescritas, sem indicação de médico assistente”, aponta Luísa Fonseca.
A atual pressão que se coloca nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é um presente envenenado para os seus utentes e profissionais de saúde.